Estranhamento, alguma dificuldade com o idioma e uma forma diferente de consultar. Essas foram as primeiras impressões relatadas pela zeladora Silrlei Aparecida Martins, 55 anos, que há um mês fez a primeira consulta com o tal “médico cubano”, que atende na Unidade de Saúde São Miguel, na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Ela sofre de artrose na coluna vertebral, mas no dia em que consultou com o médico do Programa Mais Médicos (PMM), estava com dor nas laterais do corpo. “Estou acostumada a receber injeções por conta da artrose e, depois de uma consulta longa, o doutor disse para eu tomar apenas diclofenaco potássico. Saí desconfiada que não iria passar a dor, mas passou”, conta.
Segundo ela, o médico do PMM entrou no lugar de outra médica bastante atenciosa e que há anos acompanhava a comunidade. “A doutora Sandra era muito boa, percebia que não estávamos bem só de olhar, mas o doutor cubano acertou no remédio e, na consulta, pergunta até mais coisas para a gente. De dificuldade, só mesmo em algumas recomendações que ele precisa repetir quando fala mais rápido e o idioma dele atrapalha”, comenta.
Prova de que o primeiro atendimento foi satisfatório é que nesta semana, Sirlei trouxe a filha Schelly Martins, 15 anos. “Ela também consultava com a doutora Sandra, porque tem uma infecção na cartilagem do peito”.
Outra paciente, que também aguardava pela consulta com o médico do programa, mas não quis ser identificada, resumiu a expectativa da comunidade em torno do atendimento. “Resolvendo o problema da gente, acertando no diagnóstico, pode ser médico cubano, boliviano, ou de qualquer origem que tenha vontade de atender no posto”.
Marco André Lima |
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Jorge Luís ficou impressionado com o uso indiscriminado de remédios. |
Menos remédio e mais atenção
O médico cubano Jorge Luís Gonzállez Llerena, 47 anos, chegou ao Brasil em março deste ano, passou por um período de integração em Pernambuco e, somente, no final de abril veio para Curitiba para iniciar os trabalhos em maio na Unidade de Saúde São Miguel. Ao contrário do que se esperava de um integrante de programa de extensão em atenção básica, o profissional possui mestrado em genética, tem outra extensão em oftalmologia clínica e residência em atenção básica. As razões que o trouxeram ao Brasil e a uma função de “médico generalista” foram duas. “Os ganhos no Brasil são incomparáveis em relação aos outros países que contrataram nossos serviços e acredito na atenção primária forte como meio de melhorar o sistema de saúde de qualquer país”, defende.
Em três meses de trabalho, Llerena ficou impressionado com o uso indiscriminado de “psicofármacos”. “Abro o histórico de alguns pacientes e me deparo com uma quantidade anormal de medicamentos em dosagens que não são humanas, isso pode incapacitar as pessoas”, comenta. Com consultas cuja duração varia entre 25 e 40 minutos, mais do que “cultivar” a doença, ele busca promover saúde e dar caminhos que vão além da medicação. “Acredito que é graças a esse diálogo, que muitos pacientes chegam angustiados aqui apenas para poder levar mais remédio, e saem da consulta satisfeitos, mesmo com a receita que eu considero mais adequada”, acredita.
“Em Cuba, qualquer medicamento só pode ser prescrito após avaliar integralmente o paciente. Isso leva em conta o custo benefício, já que não dá para curar uma enfermidade, causando outra pior. E outro ponto que os médicos levam em consideração é se o tratamento é,; compatível ao salário do paciente, para não criar mais stress”, explica. Essa visão integrada da saúde é o que, na opinião de Llerena, leva a Cuba ter números impressionantes de saúde pública, com pouco investimento.
Por enquanto, ele nem pensa em deixar o programa. “Por mim ficaria até mais tempo do que o limite máximo de seis anos, mas depende da vontade dos governo brasileiro e cubano”. Em Cuba, a exportação de serviços, como o de profissionais médicos ganhou um papel fundamental na economia do país. “Do total que o Brasil paga pelo meu serviço ao meu país, recebo 30% e o salário de Cuba, que foi reajustado pelas divisas que geramos e hoje está em torno 1.700 pesos, mais as garantias sociais. Além disso não tenho gasto com alimentação e moradia”, descreve entusiasmado. Somando tudo, a remuneração líquida de Llerena não chega a R$ 5 mil.
Críticas mantidas
Tanto o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR) quanto o Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar) continuam firmes nas críticas ao PMM. Além disso, ambos afirmam que a medida não cria a estrutura necessária para a promoção de saúde em todo o território nacional, que envolve desde equipes completas e bem preparadas, até condições de trabalho adequadas e políticas de saneamento básico e educação.
Marco André Lima |
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Claudia Aguilar aponta precarização das condições de trabalho. |
Para o CRM existe um grande risco de disponibilizar o atendimento médico por profissionais que não passaram pelo Exame Nacional de revalidação dos Diplomas Médicos (Revalida). “Historicamente, menos de 10% dos profissionais formados fora do Brasil conseguem passar no exame, dado o elevado rigor na formação médica oferecida em nosso país. Não se resolve o problema da saúde no país com intercambistas”, definiu o presidente do CRM-PR, Maurício Marcondes Ribas. “Outro ponto a se considerar é que como programa de extensão, esses intercambistas deveriam ser supervisionados o tempo todo por médicos brasileiros que somente atuam se estiverem devidamente registrados no Conselho”, acrescenta.
Sobre o tema, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Saúde explica que os supervisores ficam com os profissionais na primeira semana de adaptação, devido aos critérios exigidos pela Prefeitura na seleção dos médicos do PMM. Mesmo sem o CRM, os médicos do PMM conseguem emitir receitas e atestados médicos com o Registro Único do Ministério da Saúde (RMS) fornecido pelo Ministério no momento de inspecionar e aprovar a documentação de cada participante do programa.
A médica da família e comunidade e secretária geral do Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar), Claudia Paola Carrasco Aguilar, considera “louvável” a intenção o governo de garantir a presença do médico em lugares que não conseguem fixar o profissional, porém, lamenta a precarização das condições de trabalho. “Como bolsistas, eles não têm acesso a todos os direitos garantidos pela legislação trabalhista de nosso país, e isso é muito grave”, aponta.
Leia amanhã: Informações sobre o Programa Mais Médicos na Grande Curitiba e avaliação do trabalho pelos municípios da Região Metropolitana.
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