Apito do trem atormenta moradores do Cristo Rei

O apito alto do trem. Esse é o tormento dos moradores do bairro Cristo Rei, em Curitiba, que moram perto de linhas férreas. Eles não conseguem dormir o quanto precisam, além de verificar que seus imóveis estão sendo desvalorizados pela constante fuga de pessoas, que não agüentam mais a buzina alta na região. Para sanar os transtornos, a população pede o cumprimento da Lei Municipal n.º 10.625/2002, chamada de Lei do Silêncio.

O morador de um dos prédios localizados na Rua Atílio Bório, próximo à Avenida Afonso Camargo, Marcos Mathias, conta que o barulho estridente acontece há muito tempo. Para ele, a situação chegou no limite no domingo retrasado, quando o trem passou apitando às 6h30. O mesmo aconteceu anteontem, só que ainda mais cedo, às 5h30. “No domingo, se tenta descansar para a semana que vem, mas não dá. No mesmo dia, às 23h50 ocorreu a mesma coisa. Tudo tem que ter um limite, pois não há como não dormir na maioria dos dias. Tem gente que mora há 17 anos aqui e há 17 anos sofre com o problema”, afirma. Os moradores acreditam que o apito possa chegar a 140 decibéis.

Além do prejuízo à saúde, a buzina do trem está trazendo graves conseqüências para a população. Os imóveis da área estão se desvalorizando rapidamente. “Os moradores estão saindo daqui porque não agüentam mais o barulho. Isso desvaloriza nossas residências. Meu vizinho colocou o apartamento para alugar há seis meses e não consegue”, comenta Mathias.

Para o advogado Leonel Camilli, síndico do Edifício Vila Nova, também na Atílio Bório, a Prefeitura não cumpriu o que foi divulgado no Diário Oficial do Município n.º 101, publicado em 30 de dezembro de 2002. O documento informava que estavam previstos no orçamento R$ 37 milhões para a execução de projetos e obras de infra-estrutura do Contorno Ferroviário de Curitiba, o que abrangia a retirada dos trilhos da área urbana da cidade. “O trem passa ao lado de dezenas de prédios, o que pode causar prejuízos na estrutura dos edifícios. No prédio em que moro, já existem rachaduras na parte externa. Há 70 anos, a região era composta somente por campos, mas as coisas mudaram”, avalia Camilli. “Essa linha (que vai para Rio Branco do Sul) não traz mais benefícios para a população, sendo somente de interesse comercial. Se tivesse passageiros, teria uma finalidade social”, acredita.

O advogado Leonardo Loyola, que ajuda os moradores nessa questão, explica que uma reunião estava programada para ontem à noite com o objetivo de decidir o rumo das reivindicações dos moradores com síndicos de edifícios de toda a região. A partir disso, se analisaria a possibilidade de entrar com uma ação coletiva ou algum outro recurso para diminuir o barulho. Os moradores já procuraram a Prefeitura por meio do telefone 156 para verificar o que pode ser feito, mas não foram atendidos.

Solução seria retirar os trilhos

O chefe da divisão de fiscalização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smma), Ricardo Ribas, conta que o apito dos trens é uma questão antiga. “O problema vai terminar quando parar de circular trens ali, o que dificilmente vai ocorrer. Somente se tirar os trilhos do local”, opina.

De acordo com ele, há uma regulamentação para o transporte ferroviário determinando que as locomotivas devem buzinar antes de cada passagem de nível, a fim de avisar o deslocamento da máquina e evitar acidentes. “Se acontece um acidente e o apito não foi dado, vão usar como justificativa a falta de apito do trem. É bem complicado.”

Sobre o nível de barulho, Ribas argumenta que em momentos de picos de trânsito, a poluição sonora pode chegar a 73 decibéis (db). Para tentar ser ouvida, a buzina precisaria ter ao menos 10 db a mais. “O problema também está relacionado com a continuidade das buzinas. Como são várias passagens de nível ao longo do percurso, quando mal chega em uma, já é necessário apitar para a outra”, afirma Ribas. Ele comenta que existe uma especificidade para a medição de poluição sonora, mas em uma oportunidade, ele mediu o barulho do apito, que chegou a 100 db.

O chefe de fiscalização da Smma informa ainda que o Ministério Público Estadual (MPE) firmou um acordo com a América Latina Logística (ALL), concessionária das linhas férreas, para que os trens não transitassem entre 0h e 6h nos trechos urbanos, justamente para diminuir o incômodo. “A partir do momento que o MPE assumiu o assunto, a Prefeitura deixou a situação da segurança ser conduzida pelo MPE”, revela Ribas. (JC)

Promotoria aguarda sentença judicial

Segundo o promotor estadual do Meio Ambiente, Sérgio Luiz Cordoni, o que existe realmente é uma ação civil pública de 16 de julho de 2000 do órgão contra a ALL e a Prefeitura sobre o assunto. Após várias reuniões, recebimento de abaixo-assinados e tentativas de acordo, o MP propôs em um primeiro momento a obtenção de uma liminar para fazer com que os trens não circulassem entre o período das 22h às 6h. O pedido final do processo abrange o respeito à Lei do Silêncio, que determina o nível de barulho conforme zoneamento e horários, além da implantação de cancelas nas passagens de nível. “Por três vezes nos foi concedida a liminar, mas nas três vezes ela foi cassada pelo Tribunal de Justiça. A última delas aconteceu em maio deste ano”, comunica o promotor.

A perícia feita a pedido do MPE constatou que, a vinte metros do trem, a buzina chega a 110 db. A Lei do Silêncio prevê níveis entre 45 e 60 db durante o período noturno. Cordoni esclarece que em Curitiba existem 46 passagens de nível, com distância de 120 metros entre elas. A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) recomenda a distância de 1,5 mil metros. “A perícia identificou que o apito do trem causa perturbação. Realmente existe uma norma (Decreto n.º 2.089/63) determinando os trens a emitirem sinais sonoros antes de cada passagem, mas não quer dizer que cancelas não podem ser instaladas para garantir a segurança e diminuir a poluição sonora”, afirma Cordoni. O MPE aguarda a audiência de instrução e julgamento, que deve acontecer em novembro, para ter a sentença da ação. (JC)

ALL: “norma internacional”

A ALL, por meio de assessoria de imprensa, informou que existe uma norma internacional que obriga os trens a apitar antes de passagens de nível. Se não obedecer, a empresa sofre penalidades da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Segundo a assessoria, as pessoas que compram imóveis perto de linhas férreas já têm conhecimento do tráfego das máquinas. As ligações dentro do perímetro urbano realmente causam prejuízos, mas isso também acontece para a ALL, cujas locomotivas precisam andar com velocidade mais baixa.

Além disso, a concessionária afirmou que há um acordo que determina a não circulação de trens das 24h às 5h, a não ser em emergências. Fora esse horário, a movimentação e os avisos sonoros são normais. A ALL ainda comunicou que o problema seria minimizado se houvesse a implantação do Contorno Ferroviário de Curitiba. (JC)

Obras do contorno iniciam em 2005

No primeiro semestre de 2005 serão iniciadas as obras do Contorno Ferroviário de Curitiba, segundo o presidente da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), Alcidino Bittencourt Pereira. Os 44 quilômetros de linha férrea serão feitos pelo Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) com a supervisão da Comec. “A desapropriação das áreas será nossa responsabilidade, assim como a fiscalização da obra.”

O traçado original será reduzido em 23 quilômetros. Pereira lembrou que 250 mil curitibanos sofrem com os apitos dos trens. Para que saiam as obras do contorno, o DNIT passará algumas atribuições do município para a Comec. “Devido ao período eleitoral isso só vai acontecer em novembro. Aí, vamos realizar uma audiência pública junto com os órgãos ambientais, já que o contorno passará pelo meio de duas áreas de preservação ambiental (APAs), para iniciar as obras. O recurso de R$ 100 milhões para os próximos quatro anos já está garantido pelo governo federal”, afirmou Pereira. (Lawrence Manoel)

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo