Apesar de leis, médicos insistem nos garranchos

Letra de médico é, por tradição, difícil de ser compreendida. Mesmo com leis obrigando a utilização de letra legível nos receituários médicos – no Paraná, a mais recente foi criada em maio deste ano -, muitos profissionais ainda insistem em não caprichar na caligrafia. Nesses casos, sobra para os farmacêuticos a árdua tarefa de desvendar os nomes dos medicamentos.

“Diminuiu um pouco o número de receitas ilegíveis, mas ainda aparecem muitos casos”, conta a farmacêutica Sônia Abou Rahal Gholmie, proprietária da Farmácias.com, no centro de Curitiba. Segundo ela, quando o balconista não consegue entender o nome do medicamento, liga para o médico que o receitou. Há casos, no entanto, em que a farmácia é obrigada a dispensar o cliente. “Quando há retenção de receitas – medicamentos de tarja preta -, não há condições: a gente não pode atender”, afirma. “Às vezes, nem dá para entender a assinatura do médico.”

Os medicamentos Lanoxin e Loxoni são exemplos de semelhança, que pode gerar sérios problemas para o paciente que comprar o remédio trocado. O primeiro, conta Sônia, é indicado para doenças do coração. Já o segundo atua no tratamento contra a artrite e a artrose, além de funcionar como antiiflamatório. “A troca pode desencadear um tipo de problema que não tem nada a ver com o estado da pessoa”, diz Sônia. Outra confusão freqüente é com o medicamento Somalgin e Somalgin Cardio. “Os dois são para problemas cardiovasculares, mas às vezes o médico esquece de colocar o cardio. Até o paciente faz confusão e compra uma vez a caixinha vermelha e outra a azul.”

Para a proprietária da Farmácia Vitamed, Patrícia Gomes, a solução seria mandar a receita digitada no computador ou datilografada. “Algumas vezes a gente só entende porque já tem noção do nome do medicamento, mas para os leigos é bem complicado”, explica.

Alecsandra Pereira, farmacêutica e proprietária da Farmácia Santé, também enfrenta problemas com receitas ilegíveis. “Normalmente, a gente consegue descobrir qual o remédio se trata, perguntando para o paciente o diagnóstico dado pelo médico”, diz. A farmacêutica conta que receitas que vêm de clínicas particulares normalmente são digitadas. “As que vêm do SUS são as piores. Então, a gente torce para que seja de uma mulher, porque a letra é mais bonitinha”, brinca.

CRM

A primeira secretária do Conselho Regional de Medicina (CRM) no Paraná, Marília Cristina Milano Campos, esclarece que o médico que emitir um receituário ilegível que gere a troca de medicamentos e lesões aos pacientes pode sofrer processo ético profissional. “Nesse caso, pode ser aberta sindicância, e o médico sofrerá penalidades”, informou a médica. Ela conta que o CRM do Paraná já registrou casos como esse, mas ela não soube informar o número. O CRM, segundo a médica, faz recomendações por meio de veículos internos de comunicação, enfatizando as implicações legais, éticas e os cuidados que os profissionais devem tomar.

Obrigatoriedade desde 1932

Lyrian Saiki

A obrigatoriedade de letra legível em receituários médicos no Brasil é antiga. Em 1932, o Decreto 20.931, que regulamentou a profissão de médico, já trazia em seu artigo 15 a determinação de escrever as receitas por extenso e de maneira legível. Em 1973, a Lei 5.991, que dispunha sobre o controle sanitário de insumos farmacêuticos, reforçava em seu artigo 35 que “somente será aviada a receita que estiver escrita à tinta, em vernáculo, por extenso e de modo legível”.

No Código de Ética Médica, de 1988, o assunto é novamente citado. Mais recentemente, no dia 14 de maio deste ano, foi publicada a lei estadual 13.556, em que “fica obrigatória a expedição de receitas médicas e odontológicas digitadas em computador, datilografadas ou escritas manualmente em letra de imprensa, forma ou caixa alta nos postos de saúde da rede pública e nos consultórios médicos e odontológicos particulares”. A lei foi sancionada pelo governador Jaime Lerner. Como se trata de lei estadual, cabe à Vigilância Sanitária fazer a fiscalização dos receituários, esclarece a primeira secretária do CRM no Paraná, Marília Cristina Milano Campos.

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