Em protesto!

Alunos se recusam a assistir aulas pela TV em escolas estaduais do Paraná

Foto: arquivo Tribuna do Paraná.

Em protesto contra um novo modelo de ensino online, alunos de escolas estaduais do Paraná têm deixado as salas e feito atos na rua em recusa a assistir a aulas pela televisão.

O governo Ratinho Júnior (PSD) contratou neste ano uma faculdade particular para dar aulas a distância aos alunos do ensino médio nas disciplinas que compõem o que chamam de itinerário profissionalizante.

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Sem ter professores em sala de aula, a gestão defende que o novo modelo fez com que o estado conseguisse mais do que duplicar a oferta de vagas em ensino técnico, passando de 15 mil matrículas, em 2021, para cerca de 37 mil neste ano. Essa deve ser uma das principais bandeiras de campanha do governador, que tenta a reeleição.

Para especialistas, no entanto, o modelo usado para ampliar o número de vagas na modalidade não pode ser comparado ao ensino técnico tradicional. Eles dizem que as aulas remotas não garantem uma formação profissionalizante adequada, já que não estão previstas atividades práticas, trabalho em laboratório, entre outras.

A Folha de S.Paulo identificou que os protestos já chegaram a ao menos 26 escolas. Nessas unidades, os alunos têm protestado ficando de costas para a televisão quando começam as aulas a distância ou deixam as salas. Em alguns casos, os estudantes estão desde fevereiro sem acompanhar as atividades.

Nas redes sociais, os jovens têm postado fotos de cartazes em que dizem “queremos professor em sala de aula” e “televisão eu assisto em casa”.

A lei do Novo Ensino Médio, aprovada em 2018 no governo Temer, autorizou que até 20% da carga curricular ocorresse com aulas a distância. A obrigatoriedade de adotar o novo ensino médio passou a valer neste ano, o que levou alguns estados a adotar o modelo remoto para completar parte da grade horária dos alunos.

No Paraná, os alunos relatam que as aulas são transmitidas ao vivo em um televisor que fica na frente da sala. Muitas turmas têm mais de 40 estudantes, o que torna difícil que todos consigam ouvir e ver o aparelho.

Além disso, as aulas podem ser transmitidas simultaneamente para até 20 turmas de escolas diferentes. Ou seja, um único professor dá aula a distância para cerca de 800 estudantes de 1º ano do ensino médio.

Durante essas aulas, um monitor acompanha os estudantes. Esse profissional, no entanto, não precisa ter formação na área já que sua função é auxiliar com questões tecnológicas, por exemplo ligar a televisão e enviar as dúvidas da turma para o professor.

“Eu pedi para acompanhar uma das aulas porque não conseguia acreditar em tamanho descaso com os alunos. Fiquei chocada ao ver os alunos sentados na sala por quase uma hora, assistindo um professor, sem poder interagir, sem conseguir tirar dúvida sobre o conteúdo”, contou Eli Ferreira da Silva, mãe de um aluno da escola estadual Mario de Andrade, em Francisco Beltrão, no interior do estado.

Ainda segundo Silva e alunos ouvidos pela Folha, eles não foram informados no ato da matrícula que teriam parte das aulas de forma remota. “Ninguém foi avisado que as aulas seriam pela televisão. Se eu soubesse, não teria deixado meu filho se matricular para estudar desse jeito”, diz a mãe.

Alunos protestam contra aulas a distância em escolas estaduais do Paraná Acervo Pessoal Alunos protestam contra aulas a distância em escolas estaduais do Paraná **** Segundo a Seed (Secretaria de Estado da Educação e do Esporte), as aulas a distância foram contratadas apenas para as disciplinas de três cursos, administração, agronegócios e desenvolvimento de sistemas.

Eles passaram a ser ofertados depois de a pasta fazer uma enquete com os estudantes e identificar que 60% dos que estavam no 9º ano do ensino fundamental diziam ter interesse de cursar ensino técnico no ensino médio. Esses três cursos foram os que tinham maior procura.

Para ofertar as aulas a distância por três anos (período para a conclusão do ensino médio), a secretaria contratou a Unicesumar, faculdade particular, por R$ 38,4 milhões. A Folha procurou a faculdade para comentar sobre as críticas dos estudantes, mas não obteve resposta.

A Folha conversou com duas alunas do Colégio Estadual Julio Szymanski, em Araucária, também no interior do Paraná, que optaram pelo curso de marketing, mas pensam em desistir. Elas contam que não estão assistindo às aulas desde fevereiro depois de perceberem que não conseguiam tirar dúvidas com os professores.

Os alunos também relatam que há diversos casos de indisciplina e briga dentro das salas durante essas aulas, já que eles ficam apenas sob a supervisão de um monitor. Na maioria das vezes, esse profissional é um estudante de licenciatura, ou seja, sem experiência com sala de aula.

Cesar Callegari, que foi secretário de Educação Básica do MEC e hoje preside o Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, a insatisfação e protesto dos alunos mostram como o modelo a distância e o currículo intitulado como sendo profissionalizante não se adequam às necessidades dos jovens.

“O que está sendo ofertado no Paraná não é nem ensino a distância e nem presencial, já que o Ead tem uma estrutura totalmente diferente. Também não é um ensino profissional, porque não está preparando esses meninos para a prática do mercado. Ou seja, é um engodo, cria uma miragem de ensino”, diz.

Segundo ele, um dos principais riscos é de que o formato aumente a evasão escolar. “O aluno frustrado com a má qualidade se sente desrespeitado, enganado. Esse aluno percebe que a escola não se importa com o que ele está aprendendo e, por isso, ele fica desestimulado e abandona os estudos.”

Renato Feder, secretário de Educação do Paraná, defende o modelo adotado como uma forma de garantir que mais alunos possam ter acesso ao que chama de ensino profissional. Ele também diz que a insatisfação atinge um número pequeno de estudantes.

“Muitos alunos queriam fazer o ensino médio profissional, mas a gente não conseguia atender todos. Com esse modelo, a gente conseguiu expandir muito o atendimento e com qualidade”, diz.

Segundo ele, mudanças pedagógicas e estruturais devem ser feitas ao longo do ano para melhorar as aulas. Diz, por exemplo, que algumas salas devem receber telões e caixas de som para substituir as televisões e melhorar a visualização dos alunos.

Também diz que os professores foram orientados a dar aulas menos expositivas, ou seja, sugerindo que os alunos façam alguns exercícios. “É o primeiro ano desse modelo, por isso, alguns ajustes vão ser necessários e isso é normal.”

O secretário também disse considerar que 95% dos alunos estão satisfeitos com o modelo, já que, segundo ele, apenas 5% desistiram dos cursos desde o início do ano.

Fernando Cássio, professor da UFABC e integrante da REPU (Rede Escola Pública e Universidade), avalia que a insatisfação dos alunos não deve ser desconsidera e lembra que, quando a lei do Novo Ensino Médio foi aprovada, os estudantes ocuparam centenas de escolas em oposição ao modelo.

“Os estudantes do Paraná estão pedindo para ter professor em sala de aula. Eles estão reivindicando conhecimento, estão dizendo qual é a escola que querem. Devemos prestar atenção a isso. Menosprezar essa demanda é menosprezar a educação”, diz.

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