Em apenas quatro dias, três composições da América Latina Logística (ALL) se envolveram em acidentes. Depois do descarrilamento de 35 vagões de um trem da empresa na ponte sobre o Rio São João, na Serra do Mar, na última segunda-feira, ontem mais dois acidentes tornaram-se públicos.
Um deles, ocorrido a 11 quilômetros do centro de Bandeirantes, no Norte Pioneiro, foi detectado apenas a partir de denúncia anônima ao Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR). Cinco vagões, sendo quatro carregados de álcool combustível e um de farelo de soja, penderam para fora dos trilhos no quilômetro 93,7 da ferrovia que liga Bandeirantes a Cornélio Procópio.
Segundo o gerente regional do Crea-PR em Londrina, Mário Ribas Blanski, o acidente aconteceu na madrugada de quarta-feira, mas a ALL não comunicou ninguém sobre o ocorrido. “A empresa é ligada ao sistema de engenharia, mesmo assim não possui registro junto ao Crea-PR. Já existem vários autos de infração contra ela, e esse fato deve gerar um novo auto”, ressaltou.
O presidente do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Rasca Rodrigues, informou que técnicos da entidade foram até o local verificar os danos ambientais somente depois do comunicado do Crea-PR: “Os danos ambientais foram pequenos, já que a carga não chegou a cair toda, pois o trem apenas pendeu, não descarrilou. Mas na hora do transbordo, parte da carga combustível acabou caindo”, revelou, destacando que o pior foi o fato de a empresa não ter comunicado o órgão ambiental. É a segunda vez que a ALL não comunica o IAP logo após um acidente, só esta semana. “Esse será o fator agravante de uma possível multa. Temos equipes de plantão 24 horas para fazer o trabalho técnico. Quando não se avisa o IAP, muitos procedimentos que deveriam ser tomados não são, podendo causar danos irreversíveis”, disse.
O terceiro acidente envolvendo uma composição da ALL aconteceu por volta das 12h de ontem, também em Bandeirantes. Segundo a Polícia Militar local, um trem atingiu um veículo num cruzamento entre a rodovia e a ferrovia na Vila União. Ninguém saiu ferido.
Recuperação
As primeiras ações da ALL para recuperar a área do acidente na Serra do Mar envolveram a remoção dos vagões que caíram sobre a base da ponte, para permitir os trabalhos de restauração.
O próximo passo é a recuperação da torre de sustentação e da viga principal. Assim que a edificação for concluída, iniciará o trabalho de reconstrução dos 30 metros da via, com a colocação dos trilhos e dormentes.
O diretor executivo da Roca, empresa contratada para recuperação da ponte, Raul Ozório de Almeida, assegura que a ponte metálica sobre o Rio São João tem todas as condições de ser recuperada, não só sob o ponto de vista da segurança, mas na preservação de seu estilo arquitetônico, mantendo as características originais do projeto. Ele acrescenta que a construtora já comprou todo o material, cerca de 70 toneladas de aço , que serão utilizados na recuperação.
Acidentes podem gerar CPI no Senado
As diversas denúncias de má conservação da malha ferroviária e o não-cumprimento do contrato de concessão das ferrovias deverão resultar em uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal. A informação foi confirmada ontem pelo senador do Paraná Flávio Arns (PT), que participou pela manhã de uma reunião no Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR). O encontro reuniu representantes de diversas entidades organizadas do Paraná para discutir de que forma a sociedade poderá reverter a situação das ferrovias do Estado.
A reunião foi motivada pelo acidente da última segunda-feira, quando 35 vagões da América Latina Logística (ALL) descarrilaram na Serra do Mar. Para o senador, o acidente só veio a potencializar a situação caótica em que se encontram as ferrovias que passaram pelo processo de privatização. Segundo ele, a CPI que será sugerida no Senado terá como principal papel verificar a atuação da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), que mesmo recebendo diversas denúncias, não vem desempenhando sua função: “A CPI poderá resolver um problema que não é só do Paraná, mas um problema nacional de sucateamento das ferrovias”, comentou.
Segundo o senador, a ANTT já recebeu diversas denúncias, de órgãos como o Ministério Público Federal, sindicatos dos ferroviários e funcionários da Rede Ferroviária, de diversos estados brasileiros. Entre as denúncias estariam problemas com a manutenção dos trilhos e equipamentos, sobrecarga nas vias e falta de cumprimento do contrato de concessão. “O que nós vemos é que a ANTT está sendo omissa”, afirmou.
Especificamente em relação ao Paraná, Flávio Arns disse que o acidente da última segunda-feira “manchou” o principal cartão-postal do Estado, que é a estrada de ferro que corta a Serra do Mar. O senador apoiou a iniciativa do encontro de ontem, e disse que é preciso articular essas discussões com os prefeitos do litoral, que também serão afetados com toda essa situação. A ANTT informou que não vai se pronunciar sobre as declarações de Arns e nem sobre a possibilidade de instalação de uma CPI.
O presidente do Senge-PR, Eroni Bertoglio, disse que o encontro de ontem foi apenas o primeiro para discutir quais ações serão tomadas para rever o processo das concessões ferroviárias no Estado. A entidade foi autora de diversas denúncias no Ministério Público contra a ALL, e agora estuda uma nova representação em decorrência do acidente. Hoje acontece no Senge a primeira reunião de estudos jurídicos relativos ao setor ferroviário, envolvendo várias entidades que participam do movimento de defesa das ferrovias do Paraná. Dessa reunião pode surgir alguma ação a ser impetrada contra a ANTT.
O Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Paraná (Crea-PR) quer ter poder de fiscalização junto aos funcionários da ALL. “Queremos conhecer o regimento da ALL, seus responsáveis técnicos, seu quadro de pessoal, com cargos e funções, para que o Crea-PR possa fiscalizar a atuação profissional”, afirmou o presidente da entidade, Luiz Antônio Rossafa.
Termo de ajuste
O presidente do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Rasca Rodrigues, afirmou que a partir de hoje as entidades envolvidas na elaboração do termo de ajuste irão se reunir para elaborar o texto. O termo deverá ser assinado pela ALL para que a ferrovia seja liberada, já que na terça-feira o IAP embargou o trecho, proibindo a utilização da via, tanto para o transporte de cargas quanto de passageiros. Rodrigues falou ainda que a empresa deverá ser multada também pela demora na comunicação do acidente – o IAP só foi avisado quase oito horas depois do acidente -, e por impedir que a imprensa e funcionários do órgão tivessem acesso ao local. (Rosângela Oliveira e Lawrence Manoel)
Rafael Greca exige explicações
Indignado com mais este acidente envolvendo a ALL, o deputado estadual Rafael Greca (PMDB) encaminhou correspondência à Presidência da República, ao Ministério da Cultura, ao Ministério do Turismo, à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), ao Ministério Público Federal, ao Patrimônio Histórico Nacional, ao governo do Estado do Paraná e aos Serviços de Proteção Ambiental nacional e estadual.
O motivo da carta, conforme salienta o deputado, é solicitar às autoridades, “dentro de cada responsabilidade pública”, nos termos da constituição federal, zelo com o patrimônio cultural do povo brasileiro: “Exigimos das diferentes instâncias de poder as necessárias providências de reparação dos danos e preservação dos bens culturais e ambientais danificados, cobrando integral responsabilidade da ALL”.