Nos próximos 90 dias, 6,8 mil pessoas deverão morrer e 40 mil ficarão feridas – destes, 13 mil em estado grave – em 70 mil acidentes nas estradas brasileiras. A estimativa é do SOS Estradas, programa de segurança nas rodovias do site www.estradas.com.br, baseada nas estatísticas do ano passado. Esses dados mostram que, apesar de campanhas educativas e do conhecimento de vários casos trágicos, alguns motoristas continuam não obedecendo as normas do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Se fossem respeitadas, a violência no trânsito não acabaria com tantas vidas no País.
O coordenador do SOS Estradas, Rodolfo Rizzotto, explica que nos próximos três meses, acontece o aumento do tráfego nas estradas devido às férias, as festas de final de ano e Carnaval. Além disso, neste período, circulam nas rodovias motoristas sem experiência, que raramente dirigem neste tipo de via. Para ele, outro motivo muito importante para o grande número de acidentes é a garantia da impunidade. "O grande problema do Brasil é a falta da aplicação da lei. A impunidade faz o motorista cometer erros e estar seguro de que não sofrerá sanções. A maior parte dos acidentes é causada por fatores humanos", afirma.
Dentre eles, estão o excesso de velocidade, o desrespeito à sinalização e o cansaço do motorista. Esse último fator, segundo Rizzotto, está sendo subestimado por quem pega a estrada. Tanto os profissionais quanto aqueles que estão a passeio, continuam pensando em apenas chegar no destino, fazendo longas jornadas no volante. "Hoje, em alguns países, o limite para ficar dirigindo é de duas horas. Existe uma recomendação médica para isso, pois é preciso recuperar a circulação e os reflexos. O motorista deve parar um pouco e aqui não existe esse hábito", comenta.
Um dos grandes problemas está no setor de transporte de passageiros, no qual há pouca fiscalização quanto à jornada de trabalho dos motoristas. "É uma questão de segurança pública. Os motoristas trabalham mais do que poderiam. Em alguns lugares, eles ainda fazem 6 ou 7 horas sem parar. Todo mundo esquece que saem mais cedo de casa, vão para a garagem, fazem a vistoria do ônibus, se dirigem ao terminal e somente depois vão para a estrada", revela. "Mas se o motorista parar no acostamento para dar uma descansada, os próprios passageiros vão reclamar. Muitos não querem que pare." Rizzotto ressalta que a maior parte dos acidentes com ônibus não tem o envolvimento de outro veículo.
Cinto de segurança
O coordenador do SOS Estradas ainda alerta para o uso do cinto de segurança nos ônibus e também no banco de trás dos carros. "As pessoas simplesmente se matam dentro dos ônibus, pois seus corpos são projetados. Mata quem estiver na frente. Quanto aos carros, o passageiro da frente ou o motorista morre porque deixou o laptop solto no bando de trás, por exemplo. Com o acidente, ele foi projetado e atingiu a cabeça de alguém. Imagine a mesma situação com um adulto. O impacto pode ser de toneladas contra o corpo. Independente da própria segurança, é preciso usar cinto para proteger terceiros", opina Rizzotto.
PRE já registrou 13.139 acidentes este ano
Até o início do mês de novembro deste ano, 13.139 acidentes foram registrados nas rodovias paranaenses (não incluindo as federais que cortam o Paraná): 854 pessoas foram mortas e 9.858 ficaram feridas. Nos anos anteriores, o total de vítimas fatais e que sobreviveram foi menor do que a parcial deste ano. Em 2002, foram 831 mortos e 8.882 feridos em 12.440 acidentes. No ano passado, aconteceram 12.743 acidentes com 828 mortos e 9.333 feridos.
O sargento Dario Camargo Júnior, da Polícia Rodoviária Estadual (PRE), explica que o número de acidentes neste ano já é superior ao total dos anos anteriores em função dos muitos feriados prolongados. Para evitar mais sinistros, principalmente nesta época do ano, a polícia rodoviária está investindo no reforço do efetivo e a adoção de medidas preventivas. "Para nós, não basta apenas tentar aumentar o número de operações e reforçar o policiamento se não tivermos o feed back (retorno) dos condutores. Não podemos estar em todos os lugares para fiscalizar os motoristas infratores", afirma. Para ele, os condutores ainda insistem em não dar atenção à sinalização e em exceder a velocidade permitida.
O oficial orienta o motorista a fazer um planejamento de toda a viagem. Não adianta apenas colocar as malas dentro do carro e pegar a estrada. "O condutor egoísta não escolhe horário, não vê se as malas estão bem colocadas, se está em condições físicas e psicológicas de dirigir. Um planejamento é essencial para que a viagem seja segura e tranqüila, sempre pensando no bem estar de quem está dentro do carro", conta. Segundo Camargo Júnior, a violência no trânsito nada mais é do que a falta de consciência em seguir as normas. O motorista deve ter ética enquanto está dirigindo. "Ele mesmo vai avaliar os limites sem precisar ter alguém fiscalizando."
O sargento dá como exemplo para essa situação um acidente que ocorreu no começo do mês de novembro em Francisco Beltrão, Sudoeste do Estado. Um Fusca, ocupado por sete pessoas, bateu de frente com um caminhão na PR-566. Todos morreram na hora e o veículo ficou totalmente destruído. "Por que o motorista permitiu tantas pessoas dentro de um Fusca? Foi pura negligência." (JC)
Jovens são os mais atendidos no Cajuru
Uma pessoa que se fere em um acidente de trânsito geralmente fica com uma série de lesões, o que dificulta ainda mais a sua recuperação e aumenta os custos do hospital que fez o atendimento. No Hospital Cajuru, um dos que mais recebem feridos no trânsito da Região Metropolitana de Curitiba, foram realizados 3.155 atendimentos de vítimas de colisões, atropelamentos, capotamento e acidentes com moto, em pessoas entre 15 e 24 anos, de janeiro a novembro de 2004.
O chefe do departamento de cirurgia do hospital, Luiz Carlos von Bahten, explica que a maioria das vítimas é de jovens e que os atendimentos se intensificam na quinta, sexta e sábado. De acordo com ele, os acidentes ocasionam lesões multicompartimentais, ou seja, em várias partes do corpo, principalmente no crânio, tórax e abdômen. "É muito comum a associação do trauma com o álcool. Isso acontece em 40% das vítimas que chegam no hospital", afirma.
O custo de um paciente com múltiplas lesões e que precisa ficar na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pode chegar a R$ 150 mil. Na maioria dos casos, as vítimas, quando sobrevivem, adquirem seqüelas, em maior ou menor grau. Pode ser desde uma cicatriz até ficar tetraplégico ou perder segmentos de um órgão. Além das conseqüências físicas, há as psicológicas, quando a pessoa fica com traumas por causa do acidente.
Baseando-se nos tipos de lesões, von Bahten garante que a gravidade dos acidentes está aumentando. Com essa constatação e a proximidade das festas de final de ano, o hospital está se preparando para receber mais vítimas do trânsito. "Temos uma tradição no preparo das condições de atendimento. Mas hoje, da maneira como os hospitais estão saturados, não dá para reservar vagas para estes casos. No dia 23, as viagens se intensificam. Nos dois dias anteriores, porém, o hospital já estará lotado com as ocorrências normais. Em muitas vezes, não tem onde colocar estas vítimas e o atendimento não sai em condições ideais", ressalta.
Festas
O integrante do Hospital Cajuru cita as finais da Copa do Mundo de futebol para mostrar o que as festas fazem na estatística da violência do trânsito. Em 1998, quando o Brasil perdeu para a França, foi pequeno o número de pessoas que chegaram no hospital por causa dos acidentes. Entretanto, o dia da final da Copa de 2002, em que o Brasil venceu a Alemanha, foi o de maior incidência de acidentes no hospital em todo o ano. "Isso demonstra que é importante festejar, mas de forma consciente, sem álcool ou drogas. O jovem, pelo próprio vigor da juventude, acaba excedendo e achando que é o Super-Homem", avalia von Bahten. (JC)
Estradas também têm grande parcela de culpa
A inspetora Maria Alice Nascimento Souza, chefe da comunicação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Paraná, explica que neste período do ano há o aumento no fluxo de veículo, os motoristas tendem a beber mais e a imprudência é muito grande. Mas ela acredita que os condutores não são os únicos vilões causadores dos acidentes. Em primeiro vem a responsabilidade do próprio motorista e, logo em seguida, está a engenharia de trânsito.
"O Estado tem muitos problemas de estradas impraticáveis. Não só buracos e falta de sinalização. Se a estrada foi construída de maneira errada, ela pode ajudar na ocorrência de acidentes. Uma curva, por exemplo, pode estar fora dos padrões", observa. Ela destaca o erro na pista da BR-376 na altura do Repressa do Vossoroca, onde vários acidentes acontecem freqüentemente, apesar das denúncias feitas pela PRF. "Mesmo com as denúncias, até agora não fizeram nada e muita gente continua morrendo ali", critica.
Maria Alice revela que os próprios veículos são um dos fatores importantes na avaliação da violência no trânsito. Os carros, de acordo com ela, não são construídos para atender as necessidades de segurança. Ela cita o airbag, que reduz consideravelmente o índice de mortes, como exemplo disso. Em outros países, esse é um item obrigatório em qualquer categoria de veículo, seja ele popular ou destinado à elite.
Outro item de segurança que poucos brasileiros desfrutam é o freio ABS. "Os carros são melhorados somente na potência e na estética. A segurança, porém, não muda", ressalva Maria Alice. (JC)
Psicóloga aponta falhas na condução
Quando as pessoas saem de suas casas e entram no carro diariamente, não mudam seu comportamento quanto à alteração do ambiente. Agem no trânsito como se estivessem no conforto de sua residência. Essa foi a constatação da psicóloga Neuza Corassa, que fez um estudo sobre o assunto. Com o final do ano, esse quadro se agrava em função de tantos compromissos, listas de presentes e anseios pelas festas.
Ela declara que pessoas de diferentes personalidades entram no carro. Uma pode ser detalhista e a outra adere ao improviso. As mesmas brigas que acontecem dentro de casa ocorrem dentro do carro, pois as pessoas ficam confinadas no mesmo local. Tudo isso gera estresse e pode influenciar na maneira em que o motorista dirige, representando um perigo real. "As pessoas tendem a cobrar que o outro se adapte às suas condições. No momento em que as diferenças são percebidas, a viagem fica melhor", afirma Neuza.
Traumas
Quem sobrevive a um acidente ou passa pela tristeza de perder um amigo ou familiar na violência de trânsito, tem a sua vida alterada completamente. "Algumas pessoas lidam um pouco melhor do que outras, que podem desenvolver doenças e um estado de depressão. Mas a marca está ali, independentemente da pessoa. As lembranças vêm para todos em cada data em que a vítima estaria presente", conta Neuza. Ela classifica esse quadro como diferente em relação às doenças que podem levar à morte. Os envolvidos, de certa forma, se preparam para o falecimento. "Hoje, pelo menos, os acidentes são discutidos. O assunto é trazido para dentro de casa. Isso melhora a nossa consciência. Temos que apresentar uma dose de indignação e cobrar mais providências. Ninguém pode mais ficar de braços cruzados", opina. (JC)