Ainda falta saneamento básico na capital

Enquanto a média da população brasileira atendida com rede coletora de esgoto é de 45%, Curitiba, com índice de 76%, se destaca. Outro dado que orgulha responsáveis é que 92% desse esgoto recolhido na capital é tratado. Tanta diferença entre realidades às vezes faz esquecer outros números que deveriam ser apontados: 8% ainda é "sujeira in natura", que não passa por tratamento antes de ir ao destino final, quase sempre um rio; e há 409.753 pessoas – quase a população de Londrina -sem saneamento básico.

De acordo com o engenheiro civil, sanitarista, doutor em geologia ambiental, Roberto Fendrich, o maior percentual de poluição dos rios de Curitiba e Região Metropolitana ainda é pelos esgotos sanitários (doméstico e industrial). O engenheiro organizou um diagnóstico dos recursos hídricos da bacia do Rio Belém, em sua extensão urbana, com dados recolhidos desde 1993 e afirma que "continua a mesma situação. Não teve ampliação significativa da rede e do tratamento. Poderia ter mais, mas isso é caro. Deve-se planejar, no orçamento, para se adequar e acabar com a irregularidade. Para isso é preciso vontade política, nas três instâncias".

Segundo Fendrich, "se a Região Metropolitana de Curitiba tem uma vazão de água tratada de 11 mil litros por segundo, 80% é retorno em forma de esgoto, ou seja, 8.800 litros por segundos. Com a capacidade de tratamento de cada estação, ainda entra, na malha hídrica 5.700 litros de esgoto por segundo". Engana-se quem acha que o problema sanitário é exclusividade da periferia. "O afluente mais poluído do Rio Belém é o Rio Ivo, que drena Mercês, Batel, enfim, o centro da cidade. É uma ilusão dizer que somente a Vila das Torres que polui", afirma.

Em campo

Poluição. Sujeira. Mau cheiro. Doenças. Esses são alguns dos fatores que as irregularidades e a falta de rede de esgoto trazem para a população. Os casos são bastante pontuais na cidade, em situações diversas.

Em apenas uma quadra do bairro Santa Quitéria, na Avenida Arthur Bernardes, entre a Iguaçu e Silva Jardim, há um canal de água pluvial que chega até o Rio Barigüi. Nele desembocam várias galerias (grandes canos de concreto) que deveriam levar, apenas, água da chuva. A reportagem esteve lá num dia bastante claro e não chovia há um bom tempo: a água que saía dos canos não parecia muito limpa. Exalava mau cheiro e havia espuma.

"De manhã, a gente passa por aqui para ir trabalhar. O cheiro é um terror. Com o calor, fica pior ainda. O negócio é feio", afirma Justina dos Santos. "Isso aí tem cheiro forte. Estou achando que é esgoto", opina Álvaro de Mattos, que trabalha em uma garagem defronte ao canal. A mesma opinião tem Ivone Provador, que sempre caminha no local. "Acho que corre esgoto aqui."

Um pouco distante dessa localidade, no Jardim Botânico, na "valeta" debaixo do viaduto do Capanema, correm águas que seguem em direção ao Rio Belém. Na Rua Engenheiros Rebouças, a situação também incomoda. "Não sei dizer se é esgoto ou não, mas tem dia que o cheiro é de coisa ruim. Um cheiro bastante desagradável", afirma Rodrigo Aires, que trabalha no Estádio Dorival Britto (Vila Capanema). Na Rua Maurício Fruet, a situação é ainda mais alarmante. De uma galeria de água pluvial, a água que escorria era espumosa, grossa e de coloração marrom. Esta mesma galeria está localizada na parede alta dos fundos da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), que fica ao lado do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), próximo a uma região onde há grandes indústrias.

Esgoto pode trazer várias doenças

Nas situações do Jardim Botânico e Santa Quitéria, a população ainda é atendida por rede de esgoto. Porém, a realidade do Bairro Alto é outra: não há ligações de esgoto. A senhora Lindinalva Alvelino de Araújo, mora na beira do Rio Atuba. Ela garante que o que sai de seu banheiro, não é jogado no rio, mas "a água que vem de cima é esgoto: tem cheiro ruim de tudo quanto é porqueira, cocô".

Em uma das casas vizinhas, lá estava a "prova do crime". De um cômodo, saía um cano de PVC preparado para despejar diretamente no rio. Para ter certeza do que se tratava, a reportagem pediu que a moradora presente, uma adolescente, desse descarga no banheiro: imediatamente, o cano começou a jorrar. A adolescente ainda comentou: "tem muita criança que vem nadar aqui, quando está calor".

Doenças

De acordo com a coordenadora de Vigilância em Saúde Ambiental, da Secretaria Municipal de Saúde, Lúcia Araújo, são muitos os problemas que situações como essas podem trazer. "O esgoto não tratado, valeta a céu aberto e despejo in natura podem causar desde doenças até outras conseqüências como provocar o crescimento exagerado de algas, toxinas aos peixes e uma aparência espumosa que acaba atrapalhando até a oxigenação e trazer odores", explica.

Entre as doenças apontadas está a poliomielite, que também é de transmissão fecal; a hepatite A; giardíase, que provoca perda de apetite, diarréia e perda de concentração em crianças; febre tifóide; diarréias; cólera; lombriga; teníase; além da leptospirose. "Esse aspecto é gravíssimo, mas temos também o efeito estético. A saúde passa por toda situação de lazer e bem-estar. Curitiba é um pouco melhor do que o resto do Brasil, mas ainda não está ideal. Sem tratamento de esgoto e água potável não tem saúde na cidade", afirma Lúcia. (NF)

Rede chegará a 85%, promete Sanepar

Segundo Antônio Carlos Girardi, gerente-geral da Sanepar na RMC, com os novos investimentos (em ampliação de rede coletora e novas ligações) que estão por vir, já em fase de licitação, a previsão é que a rede de esgoto chegue a atender 85% da população de Curitiba. Enquanto isso não ocorre, ele aponta, no mapa, os problemas atuais. "Temos problemas de falta de rede na região da Cidade Industrial, Piraquara, Passaúna, Santa Cândida, próximo ao Atuba; problema de interceptores; 8% do que é coletado não vai para estação de tratamento; ligações irregulares de prédios, bares e residência", cita.

Sobre as situações que foram verificadas na cidade, o representante da Sanepar afirma que são todas irregulares e que os locais seriam verificados. Girardi ainda fala de como resolver o problema. "Investimento em ampliação de rede e solução do esgoto bruto que ainda resta, avaliado em R$ 200 milhões, além da regularização das ligações irregulares, pela Sanepar, Prefeitura e Ministério Público", afirma. "Avalio que Curitiba, em nível de Brasil, está muito superior, mas existem ainda vários problemas a serem corrigidos. Se for considerar Região Metropolitana o nível já cai bastante", afirma.

Responsáveis

O Estado procurou o IAP para tentar verificar principalmente a situação do Jardim Botânico. Porém, segundo a assessora da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, o IAP não fala sobre o problema de esgoto em Curitiba porque é responsabilidade exclusiva do município.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente, afirmou que quem responde pela fiscalização sobre o esgoto e galerias pluviais é a Secretaria de Urbanismo que confirmou, mas alega que, em questões ambientais, o Meio Ambiente era parceiro. Segundo o diretor de fiscalização da Secretaria de Urbanismo, José Luiz Felippetto, o órgão, em parceria com a Sanepar, mantém um Programa de Despoluição Hídrica (PDH), que disponibiliza equipes para verificar as situações como as descritas. Quando verificada a irregularidade, os proprietários dos imóveis são notificados. "Quando não existe rede, o proprietário deve instalar uma fossa séptica ou biológica. Não é caro", afirma. Sobre as situações expostas, ele ainda confirma que são todas proibidas, inclusive a ligação de esgoto em galerias pluviais, o que causa o mau cheiro que vem dos bueiros da cidade. "O problema do esgoto é uma questão de cidadania e consciência", afirma Felippetto. (NF)

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