Quem vem de fora de Curitiba fica impressionado com uma peculiaridade do planejamento urbano da cidade: a quantidade de casas de madeira, sejam elas conservadas, descuidadas, antigas ou modernas. De acordo com os registros da Prefeitura, são mais de 102 mil construções (casas ou alguma parte da casa) em madeira.
A explicação vem de tempos. "A gente tem tantas casas em madeira porque a gente tinha muita madeira. Na época do primeiro império era material estratégico. A cidade foi o centro do ciclo da madeira. Proporcionalmente, acho que tem bem mais do que em São Paulo e no Rio", explica o arquiteto e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Key Imaguire.
São vários os fatores que chamam a atenção dos arquitetos. "O que eu acho essencial é a qualidade de arquitetura dessas casas, a evolução do espaço: desde coisas simples até formas que pode-se dizer que são verdadeiras mansões de madeira. São elaborações muito refinadas. Não é um espaço só para se morar", comenta Key. Mais interessante ainda é que essas casas mais trabalhadas, como não havia arquitetos na época, foram feitas por outros profissionais: por exemplo, a Casa do Iphan foi feita pelo comerciante Domingos Nascimento e a Casa da Estrela pelo contador Augusto Gonçalves de Castro.
Segundo o professor, o tipo do material mais utilizado era o pinho e a araucária. "A madeira do pinheiro era utilizada por ser acessível, barata. Mas, como sempre no Brasil, a exploração é predatória. A gente praticamente zerou isso. O pinho foi utilizado até acabar", afirma.
Assim como há a preocupação dos biólogos e fiscais das instituições de proteção ambiental em preservar a mata nativa característica do Estado, essa também é uma necessidade que se estende às casas de madeira de Curitiba. "A nossa preocupação com a casa de madeira é que se não forem conservadas essas remanescentes, elas acabam", afirma Key.
Preservação
Até para um leigo em arquitetura, não é confortável a sensação de se deparar com o que um dia foi uma bela construção, hoje tábuas já sem cor, apenas resistindo. Porém, essa sensação melhora quando se descobre que, mesmo em pouca quantidade e com um trabalho que nem sempre aparece, existem pessoas que pensam nisso e tentam mudar. "Preservar é um resgate da memória de uma época e da própria colonização do Estado", defende a arquiteta Lúcia Torres de Oliveira, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc).
Porém isso não é simples: toma tempo, dinheiro e muito esforço para fazer entender o valor desse trabalho. "É muito complicada a preservação dessas casas nos locais em que elas estão. O que vejo acontecer é que ninguém quer mais alugar, aí é invadida, os policiais vêm, retiram os invasores, eles voltam e queimam essas casas", afirma o professor da UFPR.
Preconceito desvaloriza material
Uma das questões levantadas pela arquiteta Lúcia Torres de Oliveira é o preconceito em relação a casas desse material, que muitos consideravam como representativo de pobreza. "Essas casas representam uma época que não dava valor: queriam uma cidade de alvenaria e não de madeira. O preconceito não permitiu", afirma. Alguns disfarçavam e tentavam "tapear" as autoridades e faziam casas com fachada de alvenaria e o restante em madeira.
Um pouco menos intenso, esse preconceito permanece e muitas pessoas que moram em casa de madeira parecem não valorizar o material. Na Rua das Carmelitas, no Boqueirão, a maioria das casas são de madeira. Sebastiana Gonçalves, de 68 anos, mora há 50 em uma residência de madeira. Antes moravam com ela outras nove pessoas, hoje ela vive somente com um sobrinho. "Minha casa está toda caindo. O cupim está comendo tudo. Se eu tivesse condições, moraria em uma casa de material", conta.
Outra moradora da mesma rua, Maria Dirce Hudzinski, de 70 anos, conta que de fato a situação financeira não permite que ela more em uma casa maior e de alvenaria, mesmo assim a casa dela está sempre bem conservada. "Faz 38 anos que eu moro aqui. A gente sempre limpou e trocou tábuas quando precisou. Casas da mesma idade da minha não estão tão conservadas", conta.
Vantagens
Além de ser parte relevante do passado paranaense e habitação comum atualmente, a madeira também é considerada por alguns arquitetos e designers o material do futuro. "A madeira, por ser renovável, é o material do futuro", explica a arquiteta Andréia Berriel, da UFPR. (NF)
Classificação tipológica das casas
Atualmente, o Ippuc conta com um registro, feito pelo professor Key Imaguire, da UFPR, de cem casas que foram selecionadas como de interesse de preservação, seguindo uma classificação tipológica também definida pelo professor. São cinco os principais tipos de casas de madeira que compõem o espaço urbano de Curitiba: casas tipo luso-brasileiras (comum do período colonial e que possui entrada e varanda frontais); tipo imigração (conhecida como casas-de-polaco, com varandas na lateral); casas com chanfro (mais elaboradas); casas com telhado de quatro águas; e casas tipo modernistas (as mais recentes e comuns).
Dessas casas selecionadas, 21 já estão em alerta, ou seja, para negociação e possível restauração, não podendo, portanto, ser demolidas. Outras três casas já foram doadas para o Ippuc para que sejam melhor cuidadas. Também das cem casas selecionadas, a intenção é que 20 ou 30 sejam levadas para um espaço – 15 mil metros quadrados – próprio de preservação, a Vila da Madeira, no Parque Atuba. (NF)
