A cada hora uma criança morre espancada no Brasil

De acordo com a Constituição, a família, o Estado e a sociedade devem cuidar das crianças e dos adolescentes, resguardando-os de toda forma de negligência, preconceito e opressão. Todos esses itens, porém, não são respeitados no Brasil, principalmente por algumas famílias. O que seria uma vida sem problemas no seio familiar se torna um inferno para muitos filhos, netos, sobrinhos. São 6,6 milhões de crianças e adolescentes até 14 anos sofrendo violência doméstica no País, segundo a Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) ainda indica que a cada hora uma criança morre espancada, torturada ou queimada pelos próprios pais. Esses são dados que servem de alerta no Dia Internacional das Crianças Vítimas de Agressão, lembrado hoje.

As agressões contra crianças acontecem de três maneiras diferentes: o abuso sexual e as violências física e psicológica. Essa última ainda é pouco discutida na sociedade brasileira, mas ocorre muito freqüentemente. Consiste em ser humilhado, aterrorizado, desprezado, rejeitado, ameaçado, exigido excessivamente, culpado por problemas e passar por vexames. “Por si só a pressão psicológica é considerada uma violência, mas sempre vai acompanhar as outras formas de agressão”, afirma a jornalista Juliane Bazzo, autora do livro O Crime Perfeito: Histórias de Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso Moral no Lar, juntamente com a jornalista Tatyane Nunes. “Ela sempre aconteceu, mas por não deixar marcas no corpo, as pessoas pensam que não é violência. Também vai causar prejuízos orgânicos e comportamentais”, explica Tatyane. Para ela, muitas famílias acreditam ter o direito de manipular a criança. “Gritar de vez em quando não significa violência. Mas se isso acontece com freqüência, passa a ser. A violência psicológica é caracterizada pela repetição”, aponta.

Segundo a coordenadora nacional do Centro de Combate à Violência Doméstica (Cecovi), Maria Leolina Couto Cunha, as causas para todo o tipo de violência são estresse, desemprego, miséria, drogas, álcool, pais que sofreram violência quando eram pequenos e problemas psicológicos (estes relativos a 10% dos agressores). “A violência doméstica tem um cunho histórico e cultural, passando por todas as camadas da sociedade. Os menos favorecidos procuram um posto de saúde para atender a vítima, o que cai nas estatísticas. Mas as classes médias e altas sempre procuram um médico de convênio ou particular, que acaba não revelando as agressões. Por isso nessas faixas não é tão visível”, comenta. “A criança é usada como uma descarga emocional”, esclarece.

No Conselho Tutelar da Regional Portão, em Curitiba, 700 atendimentos (que também contabilizam denúncias) foram realizados desde janeiro deste ano. Cerca de 40% dos casos é de violência física; 45%, psicológica; e 15%, abuso sexual. Para Maria Aparecida Cordeiro Rosa, presidente do conselho, os agredidos ou seus familiares acabam procurando a instituição com a urgência, quando há uma situação muito grave instalada. “Os crimes continuam acontecendo em grande escala, mas talvez não tenham aumentado. Muita coisa que estava escondida está aparecendo, pois o número de denúncias aumentaram”, explica.

Mais denúncias

Maria Leolina, do Cecovi, acredita que o número de denúncias precisa crescer ainda mais. “Antes de chegar a uma situação extrema, como a morte da criança, acontecem violências menores. O espancamento e as queimaduras não ocorrem de um dia para outro. As pessoas devem ficar atentas e denunciar antes que seja tarde”, comenta. Ela indica que entre 50% e 60% dos casos de agressão voltam a acontecer se não são averiguados ou quando o agressor não é punido.

A coordenadora aponta três razões para a violência doméstica continuar existindo: o silêncio do resto da família, que fica com medo do agressor; a parte financeira, pois muitas vezes quem agride é o mantenedor da casa; mesmo sabendo de um abuso sexual com um dos filhos, a mulher mantém um laço afetivo forte com o agressor; e a indiferença da sociedade, que convive como se esse problema fosse normal.

Maria Leolina afirma que a solução para o fim da violência doméstica é investir em capacitação de profissionais, que precisam saber como proceder nesses casos e na infra-estrutura de retaguarda. “Aqui no Paraná houve avanços com a criação, no dia 18 de maio, da primeira vara e delegacia especializadas nesse assunto. Esperamos que funcione e atenda todas as necessidades”, conta. “Além disso, precisamos de investimentos em trabalhos de prevenção, com os pais e as crianças. A violência é resultado de um desajuste familiar e esse núcleo necessita ser reconstituído”, justifica.

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