24 horas de atenção e trabalho duro

Certamente dar um passeio dentro de uma ambulância do Siate não é o desejo de ninguém. É uma realidade que a maioria das pessoas prefere passar bem longe. Entretanto, conhecer por dentro o trabalho dos socorristas, e as situações muitas vezes difíceis que eles passam nas ruas, pode ser bastante útil. Valorizar, respeitar, colaborar com os carros de emergência no trânsito, aprender a evitar situações de risco. Estes são seguramente alguns fatores que quem passa algumas horas com os bombeiros começa a enxergar de uma forma diferente.

A madrugada

O relógio passa um pouco da 0h30. Há poucas luzes acesas, sem nenhum movimento aparente. Este é o cenário do quartel central do Corpo de Bombeiros, em Curitiba, no início da madrugada do último sábado. O soldado Ideraldo Daniel Tavares, que está de plantão para cuidar dos atendimentos e encaminhamento às ocorrências que são repassadas pelo telefone, conta que os socorristas estão dormindo nos alojamentos. Justificável, afinal eles estão de plantão desde às 8h de sexta-feira e vão seguir até o mesmo horário de sábado. Mas ele garante: ?Se surgir uma ocorrência, em 30 segundos eles estão na ambulância?.

Central dos Bombeiros em Curitiba atende diversos chamados.

O Corpo de Bombeiros possui dez unidades em Curitiba para atender a região metropolitana (exceto São José dos Pinhais e Campo Largo). Todos os postos têm ambulâncias para os atendimentos do Siate, mas somente o quartel central tem médicos. As informações são repassadas pelo capitão Emerson Luiz Baranoski, responsável pelo comando da corporação nesta madrugada. Andando pelo quartel silencioso encontra-se um quadro que mostra o trabalho dos bombeiros em números: somente em 2006 foram 262.913 atendimentos em todo o Paraná. Boa parte é vistoria. Porém o número de acidentes de trânsito chama a atenção: foram 40.643 em todo o Estado.

Código 3 – ferido grave

Trinta segundos após, o aviso os profissionais já estão nos veículos.

A calmaria durou 15 minutos. ?Eles estão precisando de um médico no local?, explicou o soldado Ideraldo. Ele chama o médico José Zampier e o cabo Misael Figueiredo. Há um homem baleado no bairro Umbará que, além da ambulância, vai precisar do auxílio médico. A viatura com os socorristas sai de um posto mais próximo. O médico sai do quartel central com o cabo ao volante.

Engana-se quem pensa que os bombeiros ligam a sirene e saem em disparada sem olhar para os lados. Para o cabo, até sinal verde é vermelho. Afinal, tem que chegar rápido, mas tem que chegar inteiro. Os radares e lombadas eletrônicas também são respeitados. Segundo o cabo Figueiredo, é melhor assim do que depois ter que ?se incomodar indo atrás de relatório para justificar multas?.

Daí em diante cuidado é fundamental para atender às ocorrências.

O médico usa um carro próprio para poder se deslocar mais rápido de uma ocorrência à outra, já que são em menor número que as ambulâncias. De domingo a quinta-feira apenas um médico fica disponível ao Siate. Já na sexta-feira e no sábado, dias mais movimentados, são dois profissionais. O local desta ocorrência é longe e quando a caminhonete já está próxima, alguém do outro lado do rádio diz: ?Q.T.A. no médico?. Não adiantava mais prosseguir. A vítima tinha acabado de morrer.

?Sempre saímos junto quando é alguém baleado, esfaqueado ou atropelado?, conta o médico, que está há 13 anos no Siate. Zampier conta que o principal problema é alguns ambientes onde os socorristas precisam ir. ?Em alguns locais as pessoas só nos respeitam se tiver a Rone (Ronda Ostensiva de Natureza Especial), da PM, do lado?, afirmou. ?Às vezes a gente junta a vítima e sai correndo. Isso quando não vêm ninguém atrás para terminar de matar?, completou.

Código 2 – sem risco de morte

A madrugada volta a ficar calma. O rádio fica em silêncio por mais de uma hora. Já entraram e saíram pelo menos três outros atendentes depois do soldado Ideraldo (eles trocam o turno de hora em hora). Até que, por volta das 5h, o telefone anuncia um acidente entre uma moto e um carro no centro da cidade. A ambulância sai rapidamente e, chegando lá, pede auxílio de mais uma, pois são três vítimas. Todas precisam ser encaminhadas para o hospital, mas nenhuma com muita gravidade. Chama a atenção que apenas jovens estão envolvidos no acidente.

?Já fui chutado de uma favela e tive que dizer que a vítima estava morta. Já tive que puxar um homem de uma janela depois de três horas conversando para ele não se suicidar. Mas não quero sair das ruas. Não quero ir para o setor administrativo. Eu gosto disso?, contou o soldado Emerson da Silva, no Siate há onze anos, enquanto limpava a ambulância logo após deixar uma das vítimas do acidente no centro no pronto-socorro.

O soldado José Cordeiro da Silva, parceiro do soldado Emerson, completou as histórias de violência. ?Uma vez, seis rapazes estavam agredindo as pessoas enquanto atendíamos. Fui conversar com eles e fui agredido também. Tive que me defender e daí passei o resto da noite na delegacia?, contou. Mas, mesmo assim, o soldado é contra andar armado. ?Os bombeiros têm a imagem de quem salva. Não dá para andar com arma na cinta?.

Código 3

?Precisamos de mais uma ambulância e do médico?. Esse é o recado do rádio. Rapidamente as duas viaturas saem do quartel central. Mais um carro colidiu com uma moto. Mas desta vez o motorista do veículo fugiu e sobraram no local dois homens gravemente feridos. O médico e ambulância a mais chegam tarde. Em menos de dez minutos, o motorista da moto morreu. Bom, já que não tem como ajudar a soldado, Camila Ludwig tem um tempo para conversar.

Camila faz parte da primeira turma de mulheres a ingressar no Corpo de Bombeiros, há dois anos. Atuava no combate a incêndios e há um mês está no Siate. Por enquanto são 22 mulheres na corporação. ?Eu escolhi essa profissão porque eu sou professora de educação física e também pela estabilidade do serviço público. O trabalho não é pesado para mulher. As vezes temos que ter pulso firme. Os maiores preconceitos estão na cabeça de algumas pessoas?.

Sistemas distintos para agilizar procedimento

Se a pessoa precisa da polícia, é atendida no 190 por um funcionário civil, que faz a primeira triagem das ocorrências. Se precisa do Corpo de Bombeiros ou do Siate, tem a sua ligação do 193 atendida diretamente por militares, que estão com um médico ao lado. Poucas pessoas imaginam como funciona os bastidores das centrais de atendimento a emergências. No Paraná, Polícia Militar (PM) e Corpo de Bombeiros trabalham lado a lado, porém com sistemas distintos para que o atendimento seja mais rápido.

Segundo o chefe do Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp), órgão que coordena o atendimento a emergências no governo Estado, Benedito Facini, 60% das ligações que o 190 recebe ou são inúteis ou são de competência de outras autoridades. Por isso a importância dessa primeira triagem. O restante é repassado para uma segunda fase do atendimento, que é feita por policiais militares. Eles repassam as ocorrências para as viaturas que estão patrulhando as ruas.

Como o número de ligações ao 193 é menor, e os tipos de ocorrências são diferentes, todas as ligações vão direto para os militares. Segundo o capitão Edson Manasses, do Corpo de Bombeiros, apenas 8% das ligações precisam de fato de uma ambulância ou de uma viatura de combate a incêndio. Junto com os atendentes sempre fica um capitão da PM e outro do Corpo de Bombeiros. Eles estão lá para orientar os profissionais nas ruas em situações de muito risco.

Atendimentos

Demora. Esta, em muitos casos, foi a sensação de quem já precisou do atendimento do 190 ou do 193. Para quem está numa situação de risco, muitas perguntas parece inoportuno. Mas Facini salienta que os atendentes precisam do maior número de informações possíveis para direcionar o atendimento à ocorrência. ?Nenhuma delas é além do útil?, garantiu.

Para evitar também que ocorra demora no atendimento à ligação em si, o Ciosp faz uma escala especial para os dias e horários de pico. ?Há algumas épocas que saem do comum. Para a polícia é quando é período de pagamento, pois tem mais gente circulando nas ruas. No período escolar também aumenta a incidência?, contou Facini.

Samu divide ações com o Siate

Desde meados de 2004, o Siate divide os atendimentos à emergências com o Sistema de Atendimento Móvel à Urgência (Samu). Enquanto as ambulâncias do Siate atendem situações que envolvem trauma, o Samu é direcionado para casos clínicos, dos mais simples aos mais complexos. Além de desafogar o atendimento prestado pelo Corpo de Bombeiros, o Samu possibilita agora o socorro de ocorrências que antes não eram atendidas.

?Os plantões dos dois sistemas são semelhantes, mas a composição das equipes é diferente. No Samu o motorista é civil, na ambulância vai um enfermeiro e, nas UTIs móveis, um médico. No Siate o médico tem viatura própria?, explicou o coordenador estadual de urgências, órgão vinculado à Secretaria de Estado da Saúde, Marco Fatuchi. O Samu é um programa do governo federal, mas recebe metade da verba dos governos estadual e municipal.

Assim como o Siate, o Samu está presente em poucas cidades do Estado (16 no total). No entanto, explicou Fatuchi, nas localidades menores, o atendimento é feito pelas ambulâncias do Corpo de Bombeiros ou das prefeituras.

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