As discussões que envolvem atualmente os organismos geneticamente modificados no cenário nacional de regra não mais se referem à sua possibilidade de liberação, mas sim ao modo como deverá ocorrer, considerando a devida proteção à saúde humana e ao meio ambiente.

Enquanto a legislação federal existente e favorável ao plantio é discutida judicialmente, a União estuda um novo projeto de lei regulamentando o tema em caráter definitivo, confirmando a liberação dos transgênicos possivelmente com mais restrições do que as até então existentes. Enquanto isso, a safra gaúcha do ano passado foi regularizada por meio de medida provisória, e o mesmo já se discute para aquela que começará a ser plantada no dia 1.º de outubro.

Dentro deste cenário já não pouco complexo, e contrariando a tendência nacional, o Estado do Paraná aprovou em primeira votação o Projeto de Lei 307/2003, que proíbe o plantio de transgênicos em todo seu território. A segunda votação deverá ocorrer nos próximos dias, sendo que no momento os deputados estão divididos, e o governo está a favor da proibição.

Apesar de ser pertinente a intervenção do Paraná em um assunto tão polêmico quanto o dos transgênicos, e que traz tantos reflexos para o nosso Estado, há que se destacar um aspecto jurídico bastante importante. De acordo com o artigo 24 da Constituição Federal, os governos federal, estadual e distrital têm competência concorrente para legislar sobre meio ambiente; todavia, isso não significa que podem dispor de forma contrária ao que for decidido na esfera federal. Portanto, autorizando a União o cultivo de transgênicos no País, qualquer norma estadual em sentido contrário seria automaticamente ilegal e inconstitucional.

Se, por um lado, é interessante a discussão que o projeto de lei paranaense está propiciando, de sorte a envolver vários setores da sociedade, por outro é fato que tolher do agricultor a possibilidade de escolha do tipo de grão que deseja produzir – convencional ou transgênico – representa um retrocesso. Lembre-se que a lei federal não impõe ao agricultor o plantio de OGMs (organismos geneticamente modificados), mas apenas o faculta. Já o PL 307/03 obriga o agricultor paranaense a plantar o grão tradicional, violando o Estado Democrático de Direito.

Além do retrocesso legislativo mencionado, o projeto de lei em comento também pode prejudicar o desenvolvimento econômico do Estado. A justificativa disso reside no fato de que, ao impor ao agricultor paranaense o plantio de grão convencional, afasta dele o acesso a uma produção com custos mais baixos, que em maior ou menor grau estará sendo adotada em outros estados. É preciso lembrar que o plantio de grãos convencionais, doravante, acabará demandando a adoção de sistemas de segregação e certificação eficientes para que a não-transgenia seja reconhecida pelos compradores, o que aumentará ainda mais os custos de produção.

Em outros termos, se para a legislação federal há o direito de opção do agricultor (que não pode ser negado pela legislação estadual), é dele a tarefa de analisar a viabilidade de investir ou não no tão falado mercado livre de transgênicos. Mas para isso deverá estar ciente de que a contrapartida para os maiores custos de produção que o plantio convencional apresenta até hoje não é realidade, já que os produtos transgênicos e convencionais não estão sendo diferenciados financeiramente pelos compradores. Por outro lado, também deverá ter conhecimento que, apesar de mais barato, o plantio transgênico traz sua dose de risco econômico, especialmente se aquele mercado algum dia vier a sair da teoria, pagando-se um prêmio ao produto convencional.

Portanto, os efeitos de uma eventual intromissão legislativa do Estado do Paraná nesta seara são bastante discutíveis, especialmente se essa postura vier a contrariar uma decisão tomada em âmbito nacional. No entanto, isto não deve obstar que ele exerça o importante papel de discutir o assunto com a sociedade, e principalmente a esclareça de todas as vantagens e desvantagens dos dois sistemas, capacitando-a para, no momento adequado, eleger a alternativa que melhor colaborar com o desenvolvimento de cada região.

Ricardo Acastro Egg e Lis Caroline Bedin são advogados do escritório Maran, Gehlen & Advogados Associados em Curitiba.(ricardo.egg@marangehlen.com.br e lis.bedin@marangehlen.com.br)

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