Paraná na vanguarda do desarmamento

É uma satisfação vir a Curitiba participar do Seminário sobre Desarmamento. Primeiro, porque o Paraná coloca-se na vanguarda da aplicação da nova lei de armas, o Estatuto do Desarmamento, ao implementar uma campanha de entrega voluntária de armas de fogo. Segundo, porque não poderia deixar de atender a um convite do governador Roberto Requião, velho companheiro nas lutas pela democratização do país.

Na verdade, é a segunda vez que nossos caminhos se cruzam. A primeira foi no início dos anos 80, quando editamos juntos a Revista do PMDB, publicação teórica que jogou papel fundamental ao refutar e desmoralizar as teorias que davam fundamento ideológico ao regime militar.

A revista também modernizou a esquerda brasileira, trazendo ao debate assuntos como o da desigualdade da mulher e do racismo enrustido no comportamento de muitos brasileiros, temas até então considerados tabus pelos partidos de oposição, que os evitavam por temer a “divisão das forças contra a ditadura”. Quase perdemos a direção da revista, mas vencemos, e essas lutas foram incorporadas pelas oposições.

Agora, venho reencontrar o combativo Requião outra vez defendendo causas difíceis e controversas, no seu esforço para modernizar e democratizar a política brasileira. Pois ele dispõe-se a enfrentar um dos fatores que mais contribuem para a violência em nossas cidades: a proliferação de armas de fogo. E o faz seguindo o modelo mais eficiente, já testado em países como a Austrália, que dessa forma reduziu os homicídios com arma de fogo em 36%, segundo o Australian Institute of Criminology (outubro 1999).

Por este modelo, não se faz perguntas sobre a origem da arma entregue, de forma a retirar-se de circulação não só as armas legais, mas aquelas em situação irregular, as preferidas pelos delinqüentes pela dificuldade de serem controladas. A indenização, além de servir de incentivo, reconhece que, nas famílias de baixa renda, a arma é um bem que representa valor. Cerca de vinte países já promoveram campanhas dessa natureza, levando à diminuição de acidentes, crimes fúteis, suicídios, furtos e homicídios entre pessoas conhecidas.

Claro que, paralelamente ao desarmamento dos civis, temos que pressionar a polícia para que desarme os bandidos. Com o estatuto, as forças públicas de segurança passam a ter bons instrumentos para combater o tráfico ilícito de armas. Caberá a nós, eleitores e sociedade organizada, pressioná-las para que cumpram a nova lei.

A regulamentação do Estatuto do Desarmamento está para ser assinada pelo presidente Lula. A partir daí, o Ministério da Justiça terá seis meses para desencadear em todo o país uma Campanha de Entrega Voluntária de Armas (CEVA). Diante desse desafio, num gesto democrático e inédito, a Polícia Federal está convocando a parceria de ONGs, secretarias estaduais e municipais de segurança, igrejas, associações, etc., de maneira a promover uma intensa participação popular em prol do desarmamento. Seu êxito não só levará ao enxugamento do excesso de armas que circulam entre nós, mas servirá de exemplo para os países vizinhos.

O estatuto já está tendo esse impacto, com o parlamento do Uruguai debatendo projeto semelhante, e várias medidas estabelecidas na lei brasileira sendo adotadas por países como o Chile e a Argentina. Visamos não só o controle interno em nossos países, mas a criação de uma zona livre do contrabando de armas no Mercosul, com legislação harmônica, pois as armas não respeitam fronteiras.

A iniciativa do secretário de segurança pública, Luiz Fernando Delazari, de promover a destruição pública de armas, é outra ação de grande relevância. Embora seja uma destruição mais simbólica, ela promove, segundo a ONU, a conscientização sobre os males da disseminação de armas, e sobre os riscos de desvio desses produtos ao serem mantidos em estoques.

Em São Paulo, uma arma chegou a ser apreendida pela polícia sete vezes, prestando-se a vários assassinatos, até ser destruída. A iniciativa do governo do Paraná, também aqui, antecipa o determinado pelo estatuto, cuja regulamentação passará a exigir a destruição rápida das armas apreendidas pela polícia.

Nós, representantes das ONGs Instituto Sou da Paz, Conectas e Viva Rio, as duas primeiras de São Paulo, estamos aqui para aprender com a experiência dos paranaenses, e também para solicitar sua colaboração na campanha nacional pelo desarmamento.

Antônio Rangel Bandeira

é sociólogo e um dos líderes do movimento Viva Rio.

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