Paradoxos e paroxismos

Dois fatos amplamente noticiados nestes últimos dias, um ocorrido em Londrina e o outro na capital paulista, evidenciaram paradoxos nas relações entre autoridades e o povo. E paroxismos de parte a parte, quando o destempero ou a condescendência reinaram onde deveria haver harmonia, atendimento dos interesses coletivos e indignação no lugar de condescendência pelo desatendimento das leis.

No Paraná, um cidadão cônscio do seu papel no meio social, revoltado pela indiferença e inoperância das autoridades, saiu às ruas e num local onde há placas que clara e visivelmente proíbem o estacionamento de veículos, fotografou dezenas de carros estacionados. Chamou a autoridade competente, a polícia de trânsito, e recebeu, indignado, um dar de ombros. Os guardas disseram que nada fariam contra os infratores e ponto final. O cidadão justificou sua ação dizendo que num país onde as leis são assim desprezadas tanto por pessoas do povo quanto pelas autoridades, não se pode esperar uma sociedade organizada. Que de pequenas faltas, assim repetidas e negligenciadas, não há distância para a eclosão de delitos mais graves, pois onde não se respeita a lei mais simples há a tendência ao desprezo pela vida democraticamente organizada.

Resultado: o fato foi levado a público pelos meios de divulgação e, de saia curta, infratores usaram desculpas esfarrapadas enquanto as autoridades incompetentes prometeram mudar as coisas. Vão tirar as placas proibitórias e mandar colocar outras que criarão exceções. Em certas horas e certos dias, o estacionamento de veículos será permitido. Já usamos este espaço para lembrar um posicionamento exemplar assumido por um prefeito de Nova York que decidiu que ?dura lex, sed lex?, uma norma que tem milênios. E determinou à polícia daquela grande metrópole a imposição da obediência às leis, sem tergiversações, sem perdão. Resultado: dessa nova e dura tomada de posição resultou uma queda de mais de 30% na criminalidade e muito mais nas estatísticas de infrações mais leves, inclusive de trânsito.

No Brasil, há um afrouxamento de costumes e reina a condescendência. É a lei do jeitinho, o deixa pra lá, o rouba, mas faz; são os mensalões, sanguessugas e gatunos públicos perdoados, reeleitos porque a repetição do uso do errado, sem uma reação à altura, levam a nossa democracia à perda dos padrões éticos mínimos para que possa sobreviver.

O segundo fato é paradoxal e foi amplamente noticiado pelo paroxismo revelado pelo prefeito de São Paulo que, numa cerimônia pública de inauguração de um posto de saúde, diante do protesto de um cidadão do povo descontente com a lei que proíbe a poluição visual da grande metrópole, expulsou o protestante aos berros, chamando-o de vagabundo. O protesto ocorria numa hora errada, num local errado e com discutível motivação. Autoridades em geral só aceitam protestos quando há interesse político em negociar com quem protesta. Mas o que fez o prefeito paulistano foi sair da linha, descarrilando as mais comezinhas normas que devem reger as relações de uma autoridade com os cidadãos. Depois, chegou até a prometer, via seus assessores, processar o cidadão, que tentou se explicar, frente à televisão, trêmulo e chorando.

Não se admite que uma autoridade aja com tal destempero. Nem que deixe de agir quando ocorrem fatos como o de Londrina, onde a lei era desrespeitada ostensivamente. Enfim, não é com tais paradoxos, nem com atitudes que se caracterizam por paroxismos, como as do prefeito, ou desleixo paradoxal, como o das autoridades de trânsito, que este País vai um dia chegar a ser uma nação politicamente organizada, onde se possa viver em ordem e com segurança. 

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