Paradigmas tradicionais do constitucionalismo ocidental: elementos e características para um Direito Constitucional Brasileiro

Uma das características do Direito Constitucional é pertencer ao ramo do Direito Público e distinguir-se dos demais ramos pela natureza específica do seu objeto e pelos princípios peculiares que o informam.

É Direito Público fundamental porque se refere à organização do Estado e funcionamento do Estado, à articulação dos seus elementos primários e aos estabelecimentos básicos da estrutura política. E ainda possui uma essência oriunda dos movimentos constitucionalistas do séc. XIX: de um lado, a organização do estado e de outro sua limitação através do estabelecimento e efetivação do cumprimento dos direitos e garantias fundamentais.

A tradição constitucionalista se remete aos movimentos clássicos, que originaram os documentos constitucionais que foram modelos no ocidente, como o paradigma inglês, o paradigma francês e o paradigma americano.

Cada um destes modelos apresenta-se com características próprias, que derivam das conquistas das constituições rígidas e escritas dos Estados Unidos a partir de 1787, após a independência das 13 colônias, e da França, especialmente em 1791, a partir da Revolução Francesa.

No caso específico do Direito Constitucional Americano, é um movimento conquistado desde a Fundamental Orders Connecticut de 1639, passando pela Declaração de Independência de 1776, Declaração de Independência da Virgínia e outros movimentos.

Segundo Joaquim José Gomes Canotilho os movimentos constitucionais são formados com ?corações nacionais com complexa tessitura histórico-cultural.?(1).

Pode ser considerada uma teoria ou ideologia que ergue o princípio do governo limitado, indispensável à garantia dos direitos, em dimensão estruturante da organização política e social de uma comunidade.

Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação de poder para fins garantísticos e pode ser considerada uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo(2).

Ainda, pode se considerar uma dimensão denominada pelo autor português histórico-descritiva: o constitucionalismo é um movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do séc. XVIII, questiona, nos planos político, filosófico e jurídico, os esquemas tradicionais de domínio político sugerindo e, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político, em oposição ao constitucionalismo antigo.

O constitucionalismo antigo significava um conjunto de princípios escritos ou de tradição consuetudinária, que fundamentavam a existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder, desde o fim da Idade Média até o séc. XVIII, sedimentação esta realizada em um longo período.

Já as constituições modernas podem ser consideradas ordenações sistemáticas racionais das comunidades políticas através de documento escrito no qual se declaram às liberdades e os direitos e se fixam os limites do poder político.

O primeiro paradigma tradicional, denominado constitucionalismo Inglês é dividido em quatro grandes momentos. 1) garantia de direitos adquiridos fundamentalmente traduzidos na garantia do binômio subjetivo liberty and propery; 2) estruturação corporativa dos direitos, pois eles pertenciam aos indivíduos enquanto estamento; 3) regulação destes direitos e desta estruturação através dos contratos de domínio do tipo Magna Charta.

A Magna Charta de 1215, o Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689 são sedimentações de algumas dimensões estruturantes do constitucionalismo ocidental.

Possui também quatro características específicas: ordem liberdade enquanto direito subjetivo de todos os ingleses e segurança da propriedade (pessoas e bens) conforme o art. 39 da Magna Charta; processo justo e regulado por lei (due process of law) onde se estabelecem as regras disciplinadoras da privação da liberdade e da propriedade; leis do país (law?s of the land) reguladoras da tutela das liberdades dinamicamente interpretadas e reveladas pelos juízes e não pelo legislador que assim vão sedimentando o common law (direito comum) de todos os ingleses; poder supremo nas mãos da soberania, representada pela lei do parlamento.

A partir da Glorious Revolution (1688-89) ganha estatuto constitucional a idéia de representação e soberania parlamentar indispensável à estruturação de um governo moderado. É o denominado parlamento representado por uma correlação de forças que tenta contemplar os interesses que apresenta um poder balanceado por sedimentações na câmara: soberania colegial (vinculada à idade média) que passa a constituição mista, ou seja, exercer representação inaugurando um princípio básico deste constitucionalismo, o the rule oh law, significando que o poder não está concentrado nas mãos do monarca, mas antes é partilhado por ele e por outros órgãos do governo (rei e parlamento).

A soberania do parlamento exprimirá também a idéia de que o ?poder supremo? deverá exercer-se através da forma de lei do parlamento. Esta idéia estará na gênese de um princípio básico do constitucionalismo.

Entretanto, não é no constitucionalismo inglês, de narrativa denominada historicista, que se encontram elementos de um esquema interpretativo do constitucionalismo revolucionário. Tais elementos estarão no segundo paradigma.

O constitucionalismo francês é caracterizado pelas ?palavras de combate? (kampfparole) como ?estado?, ?nação?, ?poder constituinte?, ?soberania nacional?, ?constituição escrita?, construídas nas rupturas revolucionárias ocorridas no séc. XVIII. De modo algum é um ajustamento prudencial da história, mas o denominado rompimento com o ancien regime.

Também possui três características específicas: um primeiro individualismo caracterizado por direitos dos homens individuais e não estamentos – todos os homens nascem iguais e não desiguais segundo uma ordem natural; um segundo individualismo que é a legitimação e fundação de um novo poder político – a ordem dos homens inventa-se ou reinventa-se por um acordo entre os homens; um momento denominado construtivismo político-constitucional representado por um plano escrito através da constituição feita por um Poder Constituinte Originário.

Já o terceiro paradigma é o constitucionalismo americano: um povo (e não uma nação) que reclamou o direito de escrever a sua constituição, caracterizado pela expressão We the people; uma proposta de Idéia de Democracia denominada Dualista, que se forma por decisões do povo (decisões raras) e decisões do governo (decisões freqüentes), assentando-se em uma limitação normativa.

Os denominados Framers (primeiros constituintes) revelam através da lei fundamental e escrita, os direitos e garantias fundamentais bem como princípios que, em virtude de sua racionalidade intrínseca e da dimensão evidente da verdade neles transportada, fica fora da disposição de uma possible tyranny of the majority, sendo a Constituição uma higher law e elevação a Paramount law lei superior que torna nula (void) qualquer lei que infringe preceito constitucional.

Surge também no constitucionalismo americano, como expressão do Poder Judiciário, o judicial review enquanto guardião da Constituição, antecipando as discussões do denominado controle de constitucionalidade.

Diversos elementos do constitucionalismo tradicionais foram incorporados aos movimentos constitucionalistas ocidentais, seja através de necessidade de rompimento com as tradições de poder de cada realidade estatal, seja por imposição sobrecultural quando a realidade carece de outra necessidade constitucional, mas, a solução foi à reprodução de uma realidade estrangeira em contexto diverso.

O Brasil na história de seu constitucionalismo(3) sofreu influência do constitucionalismo inglês na Constituição do Império de 1824, ainda que não tenha conhecido um liberalismo autêntico no referido período (comprovado no modelo de Poder Moderador criado por Dom Pedro I); do constitucionalismo inglês no modelo adotado em 1891, em especial pela intervenção de Rui Barbosa nos estudos para Constituição Brasileira da República, embora também não provocasse o nascimento da expressão We the people na cultura local; nunca rompeu com o seu ancien régime, nem ao mesmo na formação da Assembléia Nacional Constituinte de 1987, quando do advento de nossa Carta Constitucional Vigente, que não teve sequer Poder Constituinte Originário(4).

Entretanto, vingou um modelo constitucionalista, com formas e categorias diferenciadas, com uma democracia estranha, mas que se afirmou, ao menos, no resultados dos últimos pleitos eleitorais nacionais.

A Constituição Brasileira em 2008 estará completando 20 anos. Precisamente em 5 de outubro de 2008: 20 anos da promulgação de nosso texto constitucional e do projeto democrático brasileiro possível até agora.

Resgatar o constitucionalismo pode ser procurar respostas para a complexa análise do Estado Constitucional. Ou concluir-se que o Brasil, em nada se parece com a expressão de direitos e garantias constitucionais que as Revoluções Liberais sopraram.

Notas

(1) CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002.

(2) BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2002.

(3) O autor se responsabiliza pela afirmação de que não existiu na Constituição do Brasil de 1988, Poder Constituinte Originário, no sentido de ruptura como no modelo francês ou ainda na instauração do Poder Constituinte, convocado para elaboração da Carta Constitucional e dissolvido posteriormente conforme a tradição ocidental concebeu.

Paulo Ricardo Opuszka é mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário Positivo e da Unidade de Ensino Superior do Vale do Iguaçu, professor da Academia Brasileira de Direito Constitucional e do Curso Prof. Luiz Carlos.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo