No conjunto dos seres da natureza, o ser humano ocupa um lugar singular. Por um lado, é parte da natureza por seu enraizamento cósmico e biológico. É fruto da evolução que produziu a vida da qual ele é expressão consciente e inteligente. Por outro, se sobreeleva à natureza e intervém nela, criando cultura e coisas que a evolução sem ele jamais criaria como uma cidade, um avião e um quadro de Portinari.
Por sua natureza, é um ser biologicamente carente (Mangelwesen), pois, à diferença dos animais, não possui nenhum órgão especializado que lhe garanta a subsistência. Por isso, vê-se obrigado a conquistar o seu sustento, modificando o meio, criando assim o seu habitat.
Logo cedo no processo de hominização surgiu, portando, o paradigma da conquista. Saiu de África de onde irrompeu como “homo erectus”, há sete milhões de anos, pôs-se a conquistar o espaço, começando pela Eurásia e terminando pela Oceania. Com o crescimento de seu crânio, evoluiu para “homo habilis”, inventando, por volta de 2,4 milhões de anos atrás, o instrumento que lhe permitiu alargar ainda mais sua capacidade de conquista.
Por comparecer como um ser inteiro mas inacabado (não é defeito mas marca) e tendo que conquistar sua vida, o paradigma da conquista pertence à auto-comprensão do ser humano e de sua história. Praticamente tudo está sob o signo da conquista: a Terra inteira, os oceanos e os recantos mais inóspitos. Conquistar povos e “dilatar a fé e o império” foi o sonho dos colonizadores. Conquistar os espaços extraterrestres e chegar às estrelas é a utopia dos modernos. Conquistar o segredo da vida e manipular os genes. Conquistar mercados e altas taxas de crescimento, conquistar mais e mais clientes e consumidores. Conquistar o poder de Estado e outros poderes, como religioso, o profético e o político. Conquistar e controlar os anjos e demônios que nos habitam. Conquistar o coração da pessoa amada, conquistar as bênçãos de Deus e conquistar a salvação eterna. Tudo é objeto de conquista. O que ainda nos falta por conquistar?
Insaciável é a vontade de conquista do ser humano. Por isso o paradigma-conquista tem como arquétipos referenciais Alexandre Magno, Hernan Cortês e Napoleão Bonaparte, os conquistadores que não conheciam nem aceitavam limites.
Depois de milênios, o paradigma-conquista, entrou, em nossos dias, em grave crise. Chega de conquistas senão destruiremos tudo. Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% sua capacidade de suporte e regeneração. Chagas se abriram e talvez nunca mais se fecharão. Precisamos conquistar aquilo que nunca havíamos conquistado antes porque pensávamos que era contraditório: conquistar a auto-limitação, a austeridade compartilhada, o consumo solidário e o cuidado para com todas as coisas para que continuem a existir. A sobrevivência depende destas anti-conquistas.
Ao arquétipo Alexandre Magno, Hernan Cortês e Napoleão Bonaparte, da conquista, há que se contrapor o arquétipo Francisco de Assis, Gandhi, Madre Teresa e Irmã Dulce, do cuidado essencial. Não há tempo a perder. Devemos começar conosco, com as revoluções moleculares. Por elas garantiremos as novas virtudes que nos salvarão a todos.
Leonardo Boff é teólogo. Rede de Cristãos.