Especialistas em segurança pública viram uma conotação política nos ataques que deixaram 18 mortos e 24 feridos, na madrugada de ontem, no Rio. Eles foram unânimes em apontar o episódio como um alerta para o novo governo, embora vejam com desconfiança a versão de que a motivação do ataques teria sido o avanço das milícias sobre áreas até então dominadas pelo tráfico.

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?É claro que querem mandar um recado para o próximo governo?, disse a socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. ?Eles vão partir para o ataque se forem incomodados.

Ela só estranhou o fato de os autores dos ataques terem espalhado um bilhete em que afirmam que estão reagindo com um ?Rio de sangue? à tolerância do governo de Rosinha para com os grupos paramilitares. ?O próximo secretário de segurança, o delegado de Polícia Federal José Mariano Beltrame, deixou claro que teria como prioridade o combate às milícias. É estranho eles (os traficantes) não terem esperado para ver o que aconteceria?, afirmou a pesquisadora.

Para Julita, não é possível afirmar se os criminosos do Rio se inspiraram na onda de ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, ou se há alguma relação entre as duas facções. ?Antes do PCC, aqui também já havia tido ataques pontuais.?

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Cultura de violência

O antropólogo Gilberto Velho concorda que há um componente político nos ataques, mas chama a atenção para o crescente desenvolvimento de uma cultura de violência, que atinge sobretudo alguns segmentos de jovens de famílias pobres.

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?Eles não querem levar a vida de pobres passivos e ignorantes que tiveram seus pais, avós e bisavós e afirmam sua identidade pelo ataque de propriedades e de um profundo desprezo pela vida humana?, disse. ?É como se eles falassem para a sociedade ?nós existimos e somos capazes de tomar conta da cidade e acabar com a vida de vocês??, completou. Para o antropólogo, a madrugada de ontem foi uma confirmação da falência do poder público fluminense. ?A polícia está desmoralizada e não inspira confiança?, afirmou.

Ele vê com esperança as iniciativas tomadas pelo governador eleito, Sérgio Cabral Filho (PMDB), que, para o antropólogo, vêm demonstrando entrosamento com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os próximos governadores da Região Sudeste: José Serra (PSDB-SP), Paulo Hartung (PMDB-ES) e Aécio Neves (MG). ?A nossa chance é vermos a implementação de uma política de segurança efetiva, que não se limite a ocupação de morros e favelas?, afirmou.