Para um analista sério e, preferentemente, que não seja brasileiro, os passos e tropeços da política em nosso País se parecem com alguma dança frenética, de passos inimitáveis e com uma forte dose de alegre loucura. Um frevo, talvez, com as cores esfuziantes do tropicalismo. Numa democracia séria, o que acontece no Brasil não aconteceria, pois se não fosse por um problema de cultura política seria por temor à lei enérgica e aplicada sempre que seja necessário defender o Estado de Direito e os limites das relações entre o governo e o povo que representa. Fosse uma ditadura, a farra aconteceria, mas por uma estreita minoria, os mandantes. O povo estaria excluído, tangido como um rebanho e ainda com a obrigação de pagar a conta das bacanais dos donos do poder.
No Brasil, formalmente uma democracia representativa, é um vale tudo de cabo a rabo. Um presidente pode e, se não pode, não faz e não dá satisfações a ninguém. Ao seu redor pululam aproveitadores e colaboradores, que na realidade são asseclas. Ajudam-no a explorar o povo, usar e abusar do poder e dele recebem suas partes, que nem sempre são migalhas. Muitas vezes, grossas fatias do bolo que do povo é confiscado, mesmo que o deixando a passar fome.
Sentimo-nos ofendidos quando o general De Gaulle, então presidente da França, no episódio que ficou conhecido como a ?guerra da lagosta?, disse que o Brasil não é um país sério. E ficaremos mais ainda se nos convencermos de que ele disse a verdade. Este é um ano eleitoral e, mercê da disputa que não será das mais limpas, alguma sujeira deverá ser varrida e novas terão de ser evitadas ou jogadas para debaixo do tapete. E haja tapete para esconder tanta sujeira.
O presidente Lula defenestra o seu ministro da Fazenda, o todo-poderoso Antônio Palocci. E, de lambuja, o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Mattoso. É que a atual crise, ou o último episódio da crise que acompanha este governo quase que desde o seu início, pode comprometer a campanha e a pretendida reeleição do presidente.
Antes nada de conseqüente foi feito porque ?não existe pecado do lado de baixo do equador?. O partido situacionista ser instrumento ou agente da compra de apoios partidários e parlamentares, com dinheiro escuso e de origem até agora misteriosa, é rotina para o governo e merecedor de ampla indulgência da maioria do eleitorado. Agora, foi preciso fazer alguma coisa, pois já há pelo menos um candidato da oposição e este, com seu grupo, pode explorar episódios como o de Palocci e do caseiro Francenildo dos Santos Costa, revelando a existência em Brasília não só de um esconderijo para farras com o dinheiro do povo, promovidas pelo bloco que acompanha Palocci desde que era prefeito de Ribeirão Preto, como ainda a prática, na Caixa Econômica Federal, do crime de invasão do sigilo bancário do motorista denunciante. Palocci é acusado de freqüentar a casa e as reuniões da turma. Ele nega, mas o caseiro afirma e um motorista confirma.
Ocorre que, da equipe de Lula, Palocci era o nome de maior peso, não só por conduzir a política econômica do governo, como por ser capaz de empurrar pela goela do petismo a orientação que era dada à economia nos tempos de FHC, sob combate acirrado da oposição lulista. E ainda por conseguir apoio irrestrito do próprio presidente Lula, mesmo contrariando o que prometera em campanha e batendo de frente com programas de ideologias de petistas ortodoxos e de primeira hora.
Esta não é hora de mais uma crise, embora as anteriores, por mais graves que tenham sido, tenham sido credoras da indulgência dos políticos, mesmo oposicionistas e da maior parte do eleitorado. Agora a coisa pode virar, o que se duvida, mas não é hora de correr riscos. São tempos de eleições.
