Para diretor do FMI, Brasil precisa debater solução para o crédito vinculado

São Paulo – O diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Rodrigo de Rato, tomou partido numa das polêmicas mais ásperas da economia brasileira, ao criticar a política de crédito vinculado – linhas obrigatórias para habitação, agricultura, exportação e para determinados tipos de empresas.

Segundo ele, alguns tomadores pagam muito caro pelos financiamentos para subsidiar os beneficiários dos empréstimos especiais. Juros muito elevados, portanto, não são apenas uma conseqüência das contas públicas desajustadas e da grande procura de crédito pelo governo. São causados também por um defeito estrutural do sistema financeiro. "Vocês têm um sistema dual", disse Rato, hoje (11), num café da manhã com jornalistas em São Paulo. "Uma parte do mercado subvenciona a outra."

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, abriu essa discussão em 2004 e foi criticado pelo então presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa, e por economistas vinculados ao PT e à indústria. Lessa acusou Meirelles de querer destruir o BNDES. Um documento do Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial (Iedi), entidade mantida por grandes empresários, descreveu o crédito vinculado como conseqüência, e não como causa dos juros altos.

Segundo estudo apresentado por Meirelles em novembro de 2004, linhas de financiamento dirigido correspondiam a 36% do crédito. Daí resultava, conforme o trabalho, um subsídio cruzado pago pelos tomadores dos empréstimos livres.

O BC manteve o assunto em banho-maria depois da reação inicial. No ano passado, Meirelles voltou ao tema sem procurar novos confrontos. Manteve, no entanto, a argumentação: a política monetária só afeta diretamente cerca de um terço da oferta de crédito; se tivesse um alcance maior, provavelmente poderia ser mais branda.

O assunto jamais teve destaque nos documentos do acordo entre o governo brasileiro e o FMI. Em Brasília, ontem, Rodrigo de Rato esteve com o presidente do BC e com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, antes de participar, no Palácio do Planalto, da celebração oficial do pagamento antecipado da dívida brasileira.

Casualidade ou não, o diretor-gerente do FMI aproveitou a ocasião para falar sobre reformas incompletas ou ainda iniciadas. Mencionou, entre outros pontos importantes, a desvinculação de verbas orçamentárias, a continuação da abertura econômica e, de passagem, a reestruturação dos mecanismos de financiamento.

Hoje cedo, no encontro com jornalistas, foi mais fundo na discussão de alguns problemas. Defendeu o sistema de metas de inflação e elogiou a atuação do BC. Será ótimo, afirmou, o Brasil ter uma inflação de 4,5%, meta oficial fixada para este ano, "e não se pode pôr isso em risco". Mas também não se pode, acrescentou, continuar com juros básicos de 18% ao ano e será preciso cuidar da redução das taxas, por meio da política fiscal e da reforma do sistema de financiamento. "Com o sistema financeiro atual, vocês terão de enfrentar problemas dos mais importantes com um braço amarrado nas costas", afirmou. Outros países também têm linhas de crédito dirigidas, mas são muito mais limitadas. A China está abandonando gradualmente o sistema. Os brasileiros, disse Rato, terão de encontrar uma solução própria, com os critérios políticos, sociais e econômicos adequados às suas circunstâncias.

O limite ao crescimento, sustentou, não é a política monetária, tanto mais eficiente quanto maior a credibilidade do BC. Esse é um bom argumento, segundo Rato, para a autonomia operacional da instituição.

Mas não se deve apoiar o combate à inflação apenas no controle monetário, argumentou. É preciso coordenar as políticas fiscal e monetária e caminhar para a redução da dívida pública líquida como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje essa proporção está em torno de 51% e isso força o Tesouro a um gasto excessivo com juros.

Arrecadação não é o problema do governo brasileiro, que recolhe tributos equivalentes a uns 35% do PIB, argumentou Rato. Com o problema fiscal dominado, o setor público terá liberada uma capacidade fantástica de investimentos em infra-estrutura e em políticas sociais, acrescentou. O resultado será um crescimento econômico bem maior com inflação baixa.

De modo geral, Rato mostrou otimismo sobre as condições da economia mundial e sobre as possibilidades do Brasil. O bom desempenho das economias emergentes, nos últimos anos, não se explica somente por um cenário mundial excepcionalmente favorável. "O mundo está muito melhor não por mágica, mas porque os governos adotaram políticas monetárias e fiscais muito melhores e porque as economias estão mais abertas. Os países em desenvolvimento, como Brasil, México, África do Sul e Egito, para só mencionar alguns, contribuíram para isso." Sem políticas melhores, acrescentou, não poderiam ter suportado tão facilmente o encarecimento do petróleo.

O custo da energia, segundo Rato, será no próximo ano um dos desafios mais importantes. Desse fato, assim como do funcionamento do setor financeiro, sairão provavelmente os principais desafios e limitações ao crescimento econômico. Equacionar o problema energético será essencial, em sua avaliação, para a economia mundial continuar a crescer sem novos desequilíbrios e sem pressões inflacionárias quando a expansão bater em 4%. Acompanhar as condições macroeconômicas internacionais para prevenir novas crises será uma das funções do FMI.

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