Para analistas, crises não repercutem nestas eleições

A realização da eleição proporcional para deputado federal significa uma oportunidade para os eleitores expressarem sua opinião sobre o mandato dos representantes na Câmara dos Deputados. Depois da crise política dos últimos dois anos e das denúncias envolvendo vários parlamentares, o pleito de 2006 pode simbolizar um ajuste de contas entre eleitores e políticos ou piorar a opinião dos cidadãos sobre o Congresso e os partidos, reiterada por pesquisas. Segundo dados do Latinobarômetro de 2005, estudo realizado em toda a América Latina, apenas 28% dos cidadãos confiam no Congresso e somente 19%, nos partidos políticos.

Efeitos da crise

Entre os cientistas políticos, há consenso de que a crise não terá efeitos imediatos sobre a cultura política do País. O consultor Bolívar Lamounier acredita que "se houver mudança, será para pior, a julgar pelo apoio eleitoral que aparentemente será dado a partidos e indivíduos atolados em irregularidades". Para ele, no entanto, a crise é o início de um amadurecimento político do País. "Os escândalos do ano passado tiveram o condão de quebrar a hegemonia de uma certa esquerda, abrindo campo para um debate mais sério".

Para o professor Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais, não há razão para apostar em uma modificação importante da cultura política. Segundo ele, a cultura tem a ver com aspectos muito mais arraigados, duradouros, que dificilmente seriam afetados diretamente pela crise.

Uma análise similar foi feita pelo brasilianista da Universidade de Minessota (EUA) David Samuels. O professor norte-americano disse ter percebido, por meio de pesquisas, que muitos brasileiros "parecem quase esperar por corrupção na política".

Impacto na Câmara

Em relação às perspectivas para o impacto das eleições na Câmara, os estudiosos são unânimes em afirmar que não esperam uma renovação substantiva da instituição para o próximo mandato. Bolívar Lamounier e Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acreditam que muitos dos políticos envolvidos em escândalos voltarão à Casa.

O consultor político da Câmara Antônio Octávio Cintra lembra que, historicamente, há uma renovação de aproximadamente 40% dos parlamentares a cada eleição. O crescimento no índice de renovação da Câmara desde a Constituição de 1988 também foi destacado pelo pesquisador em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por Luiz Pedone, que ressalta ainda que houve uma mudança no perfil dos deputados desde a década de 80. "O número de deputados não-políticos profissionais tem aumentado consideravelmente. Mais candidatos oriundos de profissões que têm a ver com as grandes massas, como jornalistas e radialistas, têm sido eleitos", esclarece. Ele não acredita, contudo, que a renovação seja qualitativamente melhor. "O eleitor médio brasileiro é muito esquecido, tende a um voto fácil, que tem a ver com as pessoas que ele conhece, se o candidato deu benefícios pessoais para alguém da família", analisa.

Apesar dessa análise, Pedone destaca a boa capacidade de análise e de questionamento da parcela da população que tem maior nível de informação e acesso aos meios eletrônicos de comunicação.

Ameaça à democracia

O professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés alerta para o perigo de o desgaste das instituições democráticas, o déficit de representação e o envolvimento do Congresso nos escândalos atingirem o valor da democracia.

Estudioso da cultura política desde a década de 80, Moisés acredita que o atual panorama é perigoso, pois "mais ou menos um terço dos brasileiros que têm convicção democrática não incluiria os partidos e o Congresso no sistema. Vejo aí a formação de uma reserva de apoio aos regimes autoritários, antidemocráticos. No momento esta não é uma alternativa presente, mas se a longo prazo houver uma deslegitimação da democracia, significa que a reserva de apoio para ela diminuirá", alerta.

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