O mundo está diante de um dilema. Como garantir o acesso de milhões de pessoas à alimentação suficiente, diante do aumento populacional e da escassez da produção de comida, quadro agravado nos últimos tempos pelo até aqui controvertido argumento do aumento da área agricultável destinada à produção de etanol?
As respostas estão sendo perquiridas pelos participantes da conferência mundial sobre segurança alimentar que a Organização das Nações Unidas (ONU), está realizando em Roma, com a presença de mais de 50 chefes de Estado. O drama da fome atinge atualmente 862 milhões de pessoas, das quais 88 milhões o têm experimentado mais de perto por esses dias, em função da repentina elevação dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Uma das propostas imediatas da conferência partiu exatamente do presidente do Banco Mundial (Bird), o norte-americano Robert Zoel-lick, no sentido da pronta ajuda aos 20 países mais vulneráveis, entre eles Haiti, Afeganistão, Somália, Etiópia e Quênia. O risco iminente é que mais 100 milhões de pessoas passem a viver na pobreza, dos quais 30 milhões somente na África.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse na instalação dos trabalhos anteontem que até 2030, a necessidade premente do mundo é aumentar em 50% a produção de alimentos, assinalando que já em 2015 a população planetária terá chegado a 7,2 bilhões de pessoas. Como em nenhuma outra época da história recente, a segurança alimentar deve ser tratada como uma responsabilidade política de primeira grandeza. Diante disso, o questionamento mais citado nas conversas dos estadistas reunidos em Roma para a conferência sobre segurança alimentar acabou sendo a definição da verdadeira prioridade diante de necessidades humanas cada vez mais essenciais.
Dando de barato, Jacques Diouf, diretor-geral da Agência das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), sediada em Roma, enxerga uma grande incompreensão nas razões que levaram alguns países a conceder algo em torno de US$ 12 bilhões de subsídios agrícolas em 2006. Segundo o dirigente, as medidas protetoras contribuíram para desviar do consumo humano cerca de 100 milhões de toneladas de cereais, destinando-as à produção de carburantes para veículos automotivos. Ele revelou, ainda, que a soma anual dos recursos aplicados em subsídios agrícolas pelos países ricos é de US$ 372 bilhões, enfatizando que a liberalidade resulta numa fortíssima distorção do mercado mundial.
Em contrapartida, Diouf lamentou que os mesmos países não se sentem constrangidos ao invocar extremas dificuldades financeiras quando solicitados a contribuir para a formação de um fundo de US$ 30 bilhões, com o que se conseguiria resolver o problema da fome crônica de 862 milhões de famintos, especialmente no Terceiro Mundo.
Em relação à produção de etanol, uma espécie de ?besta negra? que começa a ganhar relevância na dicotomia energia versus alimentos, como se não houvesse outros ângulos mais relevantes a discutir em primeiro lugar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a oportunidade para fazer a apologia da produção de biocombustíveis, afirmando que os canaviais brasileiros estão localizados a dois mil quilômetros da floresta amazônica, também um tema candente. Lula concebeu mais um de seus típicos comentários, ao frisar que essa é a mesma distância existente entre ?o Kremlin e o Vaticano?.
Contudo, para evitar desdobramentos desagradáveis o presidente brasileiro manteve silêncio sobre os números do desmatamento na Amazônia Legal, onde o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), instituição ligada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, constata que a derrubada da floresta jamais registrou tamanha ferocidade.