É impressionante a capacidade que vem demonstrando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva de produzir contradições. Da esperança despertada na campanha e reafirmada na posse, passamos à fase da paciência, pedido que é reiterado em todos os pronunciamentos oficiais. Não bastassem os embates entre os integrantes da ala dos radicais e os demais, que em pouco mais de um mês geraram diversos focos de incêndio, não há entendimento entre o que dizem ministros (vide o caso Fome Zero) e, agora, mete sua colher nessa farofa também o presidente da Câmara, o recém-eleito deputado João Paulo Cunha. Para ele, o aperto de cintos anunciado pelo governo (baseado na culpa sempre maior do antecessor) deve durar pelo menos um ano e meio. Caso exploda a guerra do Iraque, aí a situação piora e ninguém sabe onde haveremos de terminar.
Mas no mesmo dia, o presidente Lula falava a prefeitos do PT reunidos em Brasília para dizer que nem mesmo uma eventual guerra afetaria a vida do País. Os cortes realizados no Orçamento, o aumento da meta de superávit primário e a austeridade na arte de governar seriam armas suficientes e calibradas para enfrentar uma crise de grandes proporções. O otimismo de Lula chegou inclusive ao setor de combustíveis derivados de petróleo – motivo maior de todos os desentendimentos sobre o Golfo Pérsico: o Brasil é quase auto-suficiente e tem boas reservas, disse ele.
O verdadeiro fantasma a meter medo em Lula, maior que o da guerra, segundo se depreende do contraditório noticiário produzido em Brasília, é o da Previdência Social. Vale por muitas bombas, e não fosse a calamitosa situação em que se encontra, não precisava cortar nada. O déficit previsto para este ano – um rombo a ser coberto pelos recursos do Tesouro – seria de R$ 63 bilhões, quase cinco vezes maior que o total dos cortes anunciados com lágrimas e críticas. Por isso, até as pretensões de um salário mínimo maior estariam rolando água abaixo, para desesperança dos descamisados. Os ministros Antônio Palocci e Guido Mantega, da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, respectivamente, acabam de sinalizar para um valor menor que os R$ 240 até aqui previstos: no máximo R$ 234. Aposentados e trabalhadores também precisam ter paciência. O regime de pão e água vai continuar. Até quando?
Provavelmente pelo menos até que o ministro Guido Mantega consiga colocar em prática sua audaciosa e improvável meta de cortar todos os gastos do governo entre 30% e 40%. Como? Simples: o Programa de Redução de Custos e Aumento da Eficiência do Gasto Público (sic) vai começar pela revisão de todos os contratos de serviços do poder público com terceiros. Há cartéis controlando esses serviços, desconfia o ministro. A ordem será seguir indicadores a serem criados para preços de serviços básicos – do cafezinho à passagem de avião – que hoje variam de órgão para órgão ao sabor do chefe do momento. Em compensação, informa-se que o presidente Lula decidiu abrir em São Paulo o primeiro de uma série de escritórios regionais, com mobília, equipamento e funcionários. Quase uma prova de que a campanha continua…