A verdade não é nova, mas a novidade está em quem a diz: o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, cardeal-arcebispo de Salvador, dom Geraldo Majella Agnelo, até ontem aliada quase incondicional do governo Lula. Na entrada da Quaresma (um tempo que contrasta com o Carnaval, que a Igreja Católica quer seja mais devotado à vida interior), o prelado observou que “ainda estamos num tempo de, na política, infelizmente não se trabalhar pelo bem comum, mas para o bem pessoal ou de grupos”. Ele se referia aos dias turbulentos que estamos atravessando. Mais do que o mal da disseminação da suspeita, eles causam o estrago irrecuperável da destruição da esperança.
Roubou o discurso do velho PT de guerra: “A gente fica sempre um pouco decepcionado num país como este, onde 29% das pessoas estão abaixo da linha da pobreza, não tem emprego para todos, não tem justa remuneração de trabalho e onde as distorções são grandes”.
Não apenas distorções. A voz experiente do pastor renova a advertência que diz já ter feito ao governo Lula – a de que o Brasil é uma espécie de “panela de pressão”, prestes a explodir, por causa das demandas sociais. A situação só não é pior porque aqui tem o “jeitinho brasileiro”, através do qual são resolvidas muitas coisas. Mas, segundo ele, tem coisas que nem sempre o jeitinho resolve. Nem aqui, nem alhures.
Esperemos. O governo diz que sim. Mas até aqui o governo vem falando sozinho, depois de consultar seus próprios botões. O Congresso Nacional, importante caixa de ressonância do que pretende seja ressoado, esteve vazio por esses dias. Pagos para fazerem hora extra em janeiro, os parlamentares fizeram recesso branco desde que deveriam ter iniciado os trabalhos em horário normal. Matreira sabedoria do presidente do Senado, José Sarney, já chamado de “companheiro” por petistas encurralados pelo movimento inquisitório que promete crescer na semana entrante. Na Câmara dos Deputados, quis a providência que o presidente, João Paulo Cunha, dividisse as atenções, pelo menos por três dias incompletos, com o sempre ambicionado cargo de presidente da República. Brasília é festa numa parte; na outra, temor e trevas.
A oposição promete não esmorecer, nem dar trégua ao Planalto. A agenda positiva montada às pressas durante o Carnaval vem sendo interpretada como pura manobra diversionista. Afinal, o governo tem a obrigação de trabalhar. O líder do PFL no Senado, Agripino Maia, por exemplo, entende que o episódio Waldomiro, muito longe de estar superado, é um “fato grotesco” e a prioridade nacional, hoje, é desvendá-lo por inteiro, sem jeitinhos. O cadáver, segundo ele, pode até ficar insepulto, “mas o mau cheiro será grande”.
Agora que a folia momesca acabou e já se sabe que ao Planalto não interessa expor o que está por trás das denúncias, a Nação estará atenta ao que dizem no parlamento os que deveriam representar o povo. O governo apostará todas as suas forças no “enterro” da CPI dos bingos, que já tem assinaturas suficientes (33) para ser instalada no Senado, e no desmantelamento de outra proposta que até o final da semana que passou contava com 22 assinaturas de senadores. Esvaziar a crise é a ordem. Mas ao rejeitar o caminho da investigação, cada senador terá que explicar, como diz a senadora Heloísa Helena, porque não quer apurar as denúncias contra o ex-chefe de Assuntos Parlamentares do governo, Waldomiro Diniz, amigo e subordinado do ministro José Dirceu. “Não se trata – afirma ela – apenas de indícios de crimes contra a administração pública. Há provas de tráfico de influência, intermediação de interesse privado e exploração de prestígio.” Pelo menos este último advinha da proximidade com o mais poderoso homem do governo Lula depois do próprio Lula. Heloísa não fala em formação de quadrilha, mas poderia. Dom Geraldo prefere a referência a interesses pessoais e de grupo, quase a mesma coisa.
Esvaziar a crise e vencer a batalha contra os bingos é a meta equivocada do governo em defesa de seus próprios objetivos. Um jeitinho apenas, que não vai resolver os problemas da grande massa de brasileiros que apostou suas esperanças num tempo novo. Que tarda ainda mais a chegar.