Palocci é apontado por Lula como ?revelação?

Antônio Palocci Filho, 41 anos completados no dia 4 de outubro, é apontado pelo próprio presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, como uma ?revelação? no Partido dos Trabalhadores (PT), apesar de já ter entrado em conflito aberto com setores da agremiação mais de um vez ao longo de seus 22 anos de atividade pública. Um dos fundadores do PT, Palocci recebeu uma missão especial de Lula: ser o coordenador do programa do novo governo.

E com uma orientação enfática do próprio Lula: ouvir o maior número possível de lideranças, sem se limitar aos quadros do PT. ?Conversei com mais de 300 pessoas, entre dirigentes sindicais, trabalhadores, empresários, todo mundo?, conta.

Médico sanitarista formado pela Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Palocci teve uma trajetória profissional ligada ao sindicalismo, antes de ingressar para a política em 1988, como vereador. Foi coordenador de diretório acadêmico, diretor do sindicato regional dos médicos e um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, ao qual se filiou em 1980. Mas até à madrugada de sábado, Palocci relutava em dizer se vai assumir algum cargo no governo federal comandado por Lula. Mas dizia que ?gosta mais? de conversar com economistas e empresários do que com os políticos tradicionais. E se vier a exercer algum cargo, provavelmente será na área econômica, admite.

Palocci ainda é desconhecido da maior parte do eleitorado nacional e só passou a fazer parte da ?comissão de frente? do PT após o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em janeiro deste ano. Por delegação do PT, Daniel tinha assumido a responsabilidade de coordenar o programa de governo de Lula, depois delegada a Palocci. Nos dez meses de campanha, Palocci ganhou notoriedade dentro e fora do partido. Elogios ao seu poder de articulação foram feitos, tanto por Lula que reconheceu publicamente o crescimento do nome Palocci na campanha, quanto por empresários de outros Estados que sequer pronunciavam seu nome corretamente (aplicavam a fonética italiana que lê os dois cc como ?tchi?), e ainda por ?dinossauros? políticos (mas ainda influentes), como o deputado e ex-czar da economia dos tempos da ditadura, Delfim Neto: ?Palocci foi o responsável por levar o mercado para dentro do PT?, comentou Delfim.

Sua influência sobre a última campanha, onde Lula jamais apareceu com a barba por fazer ou com cabelos despenteados, é reconhecida por diversos profissionais. Boa parte desse cuidado veio das orientações do marqueteiro Duda Mendonça, indicado a Lula por Palocci. Duda já havia trabalhado com ele nas eleições municipais em 2000 e testado na campanha para a prefeitura de Ribeirão Preto elementos que acabaram se repetindo na campanha de Lula deste ano, como por exemplo a figura do apresentador, os casos isolados de programas de governo, os clipes musicais e a utilização do azul em produtos de campanha, como os adesivos semelhantes ao ?Agora é Lula?.

A utilização de Ribeirão Preto como laboratório de testes não se restringiu às peças publicitárias criadas por Duda Mendonça. Idéias que hoje são aproveitadas no programa de governo de Lula, algumas simples como o programa do primeiro emprego, ou polêmicas para a rigidez do partido, como a formação de parcerias com a iniciativa privada, ou a terceirização dos principais nomes do governo (indicação de técnicos para o primeiro escalão ao invés de correligionários do PT) já foram aplicadas na prática em sua administração.

Para a Secretaria de Cultura, Palocci nomeou o empresário Galeno Amorim, diretor da editora Palavra Mágica, que havia recebido naquele ano o prêmio Jabuti. ?Palocci tem uma capacidade de diálogo bastante integradora, que consegue congregar bons nomes em torno de uma causa?, admite um adversário político que preferiu não se identificar.

Antes de chegar ao ponto de interlocutor do partido junto ao empresariado Palocci teve que enfrentar o PT. A mais polêmica de suas atitudes foi a abertura de capital da companhia telefônica municipal, realizada ainda na sua primeira gestão como prefeito, entre 1993 e 1996, quando o PT ainda clamava contra a onda de privatizações que viria a se instalar no País nos anos seguintes.

Diferentemente da maior parte das cidades brasileiras, o município era atendido por uma operadora local, controlada pela prefeitura, enquanto a quase totalidade do Brasil pertencia ao sistema Telebrás. Muito antes do governo federal privatizar o sistema telefônico, o que só ocorreu em 1998, o jovem prefeito de uma cidade interiorana colocou à venda 49% das ações da Centrais Telefônicas de Ribeirão Preto (Ceterp), que só seria definitivamente privatizada pela gestão seguinte, do PSDB.

Para conseguir a aprovação para a venda da participação, Palocci montou uma estratégia de coligação com outros partidos e quase rompeu com o PT. A explicação à época era de que apenas com a iniciativa privada, a empresa poderia acompanhar os avanços tecnológicos. A crítica veio na gestão seguinte, do tucano Roberto Jábali, que vendeu o restante das ações da empresa por R$ 200 milhões, ou quatro vezes o valor da venda feita por Palocci. ?A Ceterp foi entregue por preço de banana? critica Jábali, referindo-se à abertura de capital da empresa feita pelo adversário político.

A busca de parcerias com a iniciativa privada na gestão Palocci em Ribeirão Preto não se restringiu à abertura de capital da Ceterp. Com bom relacionamento ao empresariado local, Palocci era tido como um ?petista diferente?, acostumado a almoçar com diretores de bancos, usineiros e a transitar no mercado com natural integração ao meio, característica que se mostrou depois fator principal de sua atuação na campanha de Lula.

Durante toda sua primeira gestão foram firmados 80 projetos de parceria, que renderam aos cofres municipais cerca de R$ 120 milhões. Somado aos R$ 50 milhões da venda das ações da Ceterp, a administração de Palocci obteve praticamente mais meio orçamento anual com a iniciativa privada. A esse dinheiro, utilizado em programas sociais como a retirada de menores das ruas, ou em obras de largas avenidas ligando a zona norte e sul da cidade, principalmente à quantia gasta com marketing, é que foi atribuído o elevado índice de aprovação de seu governo em 1996, em torno de 75%. Apesar dessa cenário, Palocci não elegeu seu sucessor, o vice Sérgio Roxo. Em clima de ?já ganhou?, a militância petista faltou às urnas, o que permitiu uma virada do candidato tucano, Roberto Jábali, às vésperas das eleições. A vitória do candidato do PSDB foi por uma diferença de menos de 1.500 votos.

A privatização do sistema de tratamento de esgoto também gerou atritos entre Palocci e o PT. Orçado em R$ 78 milhões em 1995 em sua primeira gestão, o programa para tratar 100% do esgoto da cidade ficaria na gaveta por falta de caixa, se não fosse entregue para a iniciativa privada, alegava Palocci na época. Apesar de ser citado em discursos de Lula como exemplo de trabalho em conjunto do governo com a iniciativa privada, sete anos depois de criado, o programa ainda tem dificuldade de ser implantado, devido aos custos que deverão ser repassados para a população.

A previsão é de que a conta de água aumente em cerca de 30% quando uma segunda estação de tratamento entrar em funcionamento para tratar 70% do esgoto produzido na cidade (apenas 17% são tratados por uma primeira estação inaugurada na administração passada). ?Não há como esperar que este benefício venha sem um reajuste?, alega Palocci, lembrando que a tarifa de água cobrada na cidade é uma das menores do Estado e, portanto, comportaria o reajuste ficando ainda dentro da média estadual. Comparando com Franca, município vizinho à Ribeirão, que possui 100% de esgoto tratado, a tarifa realmente seria 18% menor, mas se comparada com a cobrada em Limeira, onde o esgoto também é 100% tratado, a tarifa será 17% maior.

Nesta segunda gestão à frente da prefeitura de Ribeirão Preto, Palocci também se viu diante de novas polêmicas. Suspeitas de licitações irregulares marcaram os dois primeiros anos de seu mandato. No Ministério Público local correm hoje pelo menos 30 procedimentos investigatórios com acusações que vão desde irregularidades em licitações e contratações, até doações suspeitas. O caso mais comentado e que tomou vulto nacional é o da licitação das 40 mil cestas básicas no valor de R$ 1,2 milhão. A suspeita é que a licitação teria sido direcionada a um grupo de empresas fornecedoras, porque o texto que descreve o objeto de contratação exigia ?molho de tomate misturado com ervilha?, que era fabricado apenas por empresas de um único grupo, que já estavam abastecendo outras administrações petistas. Palocci abriu sindicância para apurar o caso e acusou a imprensa de super-dimensionar o fato. Além da compra das cestas básicas estão sendo investigadas ainda a contratação sem licitação para coleta de lixo e a contratação do arquiteto Oscar Niemeyer para projetar um centro de convenções.

Mas a principal polêmica ainda está por vir. Diante da projeção adquirida com a campanha de Lula, nos próximos meses caberá a Palocci uma decisão difícil. Se convidado a participar de um ministério, o que tudo indica que deve mesmo acontecer, ele estaria diante de sua quarta renúncia. A primeira, como vereador para disputar as eleições para deputado estadual. A segunda, como deputado estadual para disputar as eleições municipais. A terceira, como deputado federal para concorrer à prefeitura de Ribeirão Preto novamente. ?Não há nenhuma certeza nisso. Tudo deverá ser discutido em seu devido tempo?, se esquiva Palocci ao ser questionado sobre qual posição pretende tomar. É importante lembrar, entretanto, que nunca perdeu nenhuma eleição que disputou.

Exemplos de testes ?aplicados? na prefeitura de Ribeirão Preto, que foram utilizados por outras administrações do partido, não faltam. Um deles é a negociação com o transporte alternativo, ou os perueiros, que vem sendo adotada pela capital paulista, após a experiência de Ribeirão. Depois de vários embates entre as empresas de ônibus urbanos e os motoristas de vans, os ?perueiros?, que atuavam clandestinamente na cidade, a administração criou o programa Leva e Traz. Os ?perueiros? foram contratados como prestadores de serviço pelas empresas de ônibus para transportar gratuitamente o passageiro em regiões da cidade não atendidas por ônibus convencionais ou onde seu intervalo é muito grande.

O motorista da van recebe da empresa R$ 0,63 por passageiro. ?O acordo beneficia os dois lados: o perueiro sai da ilegalidade e as empresas recuperam os passageiros que tinham perdido?, comenta Palocci.

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