O ditador Saddam Hussein chegou a esboçar uma reação ao ser entregue por militares americanos para seus carrascos iraquianos mas, nos seus últimos momentos de vida, ele estava calmo. Vestido com sobretudo preto e calça comprida, ele segurava um Corão ao subir para a cadafalso, e num último ato de desafio, recusou ter a cabeça coberta por um capuz. Suas últimas palavras teriam sido: "Deus é grande. A nação será vitoriosa e a Palestina é árabe". O relato dos últimos momentos do ex-ditador foi feito por Sami al-Askari, assessor político do primeiro-ministro iraquiano, Nouri al-Maliki.
Depois de um liderar por 25 anos um regime pródigo por sua brutalidade, que matou milhares de iraquianos e levou o país a guerras desastrosas contra o Irã e os Estados Unidos, Saddam foi executado pouco antes do amanhecer deste sábado (horário de Bagdá).
Poucas horas depois de sua morte, uma bomba plantada num microônibus explodiu num mercado de peixes matando pelo menos 31 pessoas. Outras 58 pessoas ficaram feridas na explosão, na cidade de Kufa, de maioria xiita, 160 km ao sul da capital iraquiana. Imagens do corpo que seria de Saddam foram mostradas pela manhã na tevê iraquiana. Sobre uma maca e com um manto branco envolvendo o corpo, a cabeça estava descoberta, virada num ângulo agudo. Seu pescoço e parte do manto tinham manchas de sangue. Seus olhos estavam fechados. As imagens apareceram em duas tevês ligadas ao xiita Partido Dawa, do primeiro-ministro Nouri al-Maliki.
No bairro xiita de Cidade Sadr, em Bagdá, centenas de pessoas saíram às ruas para celebrar a morte do ex-ditador, um muçulmano sunita. O governo não impôs um toque de recolher de 24 horas na cidade, como o fez no mês passado, quando Saddam foi condenado à morte, a fim de conter um surto de violência retaliatória.
O líder de 69 anos impôs vexames a três presidentes dos Estados Unidos. Apesar de sua derrubada, Washington e seus aliados no Iraque continuam atolados numa luta para conter uma insurgência de seguidores de Saddam e de militantes islâmicos, assim como um conflito sectário já considerado por muitos como uma guerra civil.
A execução foi realizada durante o mês com o mais alto índice de baixas para as tropas dos Estados Unidos em 2006, com 108 soldados americanos tendo sido mortos.
O presidente dos EUA, George W. Bush, emitiu um comunicado de seu rancho no Texas afirmando que levar Saddam à Justiça "foi um importante marco na trajetória do Iraque para tornar-se uma democracia que possa se governar, se sustentar e se defender, e ser um aliado (dos EUA) na guerra contra o terrorismo".
Para Bush, a execução marca o "fim de um ano difícil para o povo iraquiano e para nossas tropas (americanas)". Ele admitiu que a morte de Saddam não irá conter a violência no Iraque. Ali Hamza, um professor universitário de 30 anos, disse que saiu à rua disparando para o ar a fim de comemorar o enforcamento de Saddam.
"Agora todas as famílias das vítimas estarão felizes porque Saddam recebeu uma sentença justa", estimou Hamza, que vive em Diwaniya, uma cidade xiita 130 km ao sul de Bagdá. Mas pessoas na cidade de Tikrit, de maioria sunita, que foi um bastião de Saddam, lamentavam sua morte.
Mártir
"O presidente, o líder Saddam Hussein é um mártir e Deus o colocará junto com os outros mártires. Não fiquem tristes nem reclamem porque ele morreu a morte de um mártir sagrado", disse o xeque Yahya al-Attawi, um clérigo na Grande Mesquita Saddam.
A polícia bloqueou a entrada de Tikrit e anunciou que ninguém poderá entrar nem sair da cidade pelos próximos quatro dias. Um toque de recolher foi imposto. Ainda assim, homens armados tomaram as ruas de Tikrit carregando fotos de Saddam, disparando para o ar e pedindo vingança.
Forças de segurança também levantaram um bloqueio rodoviário na entrada de outro bastião sunita, Samarra, e um toque de recolher foi imposto depois que 500 pessoas saíram às ruas para protestar contra a execução de Saddam.
Cerca de duas centenas de pessoas também se manifestaram contra a execução nos arredores da capital da província de Anbar, Ramadi, carregando fotos de Saddam.
Um meio-irmão de Saddam, Barzan Ibrahim, e Awad Hamed al-Bandar, ex-chefe de justiça do Tribunal Revolucionário, não foram enforcados junto com o ex-líder como estava planejado. utoridades disseram que queriam reservar a ocasião apenas para Saddam.
"Queríamos que ele fosse executado num dia especial", explicou o assessor de Segurança Nacional iraquiano, Mouwafak al-Rubaie, na estatal Iraqiya TV. Saddam foi executado num antigo quartel da inteligência militar num bairro xiita de Bagdá, Kazimiya. Durante o regime de Saddam, numerosos dissidentes foram executados no local.
Corpo
O governo iraquiano ainda não decidiu o que será feito do corpo de Saddam. "Ele não pediu nada. Ele levava um Corão e disse: ‘Quero que este Corão seja entregue a esta pessoa’, um homem chamado Bander", contou o assessor al-Rubaie, acrescentando não saber de quem se trata.
O escritório do primeiro-ministro iraquiano emitiu um comunicado avaliando que a execução de Saddam foi uma "forte lição" para líderes bárbaros que cometem crimes contra seu próprio povo.
"Rejeitamos fortemente considerar Saddam como representante de qualquer setor no Iraque porque o tirano representava apenas sua alma maligna", afirma-se no comunicado. "A porta ainda está aberta para aqueles cujas mãos não estão manchadas com o sangue de pessoas inocentes para participarem no processo político e trabalhar para reconstruir o Iraque".
A execução ocorreu 56 dias depois que um tribunal especial condenou Saddam e o sentenciou à morte por seu papel na execução de 148 muçulmanos xiitas em Dujail, acusados de envolvimento numa tentativa de assassinato contra o então presidente em 1982. A mais alta corte iraquiana rejeitou na segunda-feira uma apelação de Saddam e ordenou que ele fosse executado em no máximo 30 dias.
Advogados de Saddam fizeram um último esforço entrando com um pedido de suspensão da execução num tribunal dos Estados Unidos, mas o pedido foi recusado. Tropas dos EUA aplaudiram quando a televisão iraquiana anunciou a morte de Saddam. Mas alguns, numa base nos arredores de Bagdá, duvidavam que a execução irá ter maior efeito na situação do Iraque.
"Primeiro eram as armas de destruição em massa. Aí quando se descobriu que elas não existiam, era que tínhamos de encontrar Saddam. Nós o encontramos, mas então era que tínhamos de julgá-lo", lembrou o soldado Thomas Sheck, 25 anos. "E agora, o que vão inventar para nos manter aqui?"