Lição aos brasileiros: esqueçam o Brasil miúdo e míope. Somos um País grande e não apenas em dimensões territoriais. “Não aceitamos mais participar de política internacional como se fôssemos os coitadinhos da América Latina, um paisinho que tem criança de rua, um paisinho que só sabe jogar futebol e pular carnaval.” Claro que continuamos a ter velhos e crianças nas ruas, filas nos hospitais, desempregados aos montes e continuamos a fazer carnaval e a jogar futebol. Mas, como quer o presidente Lula (quem não quer?), exigimos respeito e consideração.
O exemplo de Cancún, no México, deve ser nosso espelho permanente. O que fizemos na última reunião ministerial da Organização do Comércio vai acontecer alhures. Não importa se, no final, o resultado é um tremendo impasse, como de fato aconteceu, neutralizando todos os propósitos. Importante é impedir que os grandes do mundo – ou os que se acham maiores que os outros – distribuam as cartas e ditem as regras do jogo, como sempre fizeram. “A partir de Cancún – disse Lula a formandos do Instituto Rio Branco, futuros diplomatas – vocês vão perceber que serão olhados com muito mais interesse e cobrança pelos nossos interlocutores.”
Esta nova era vem sendo pregada por Lula desde a sua primeira viagem internacional na condição de presidente eleito, quando descobriu nossa vocação para liderar a América Latina. No Velho Mundo, onde já esteve mais que uma vez, advogou um Fome Zero Mundial, tecla sobre a qual ainda aperta com força e disposição. Pena que a comunidade internacional até aqui só tenha gostado do discurso, sem tomar iniciativas práticas, como convém. Mas o presidente não se dá por vencido e continua sua pregação em português (o inglês é, nesses casos, despicativo).
Agora mesmo anuncia viagem a Cuba, levando proposta de socorro aos canaviais comunistas: financiamento e tecnologia brasileiros serão transferidos às usinas cubanas para o reerguimento de uma das principais indústrias da ilha. Cuba, além de açúcar, finalmente aprenderá como se faz combustível da cana. E Lula será ovacionado apoteoticamente em praça pública, tendo ao lado dois amigos de Fidel: o ministro José Dirceu e frei Beto – antigos embaixadores nossos. Nem pelotas para o que venham a pensar sobre isso nos Estados Unidos. Lula é, também, amigo de George W. Bush. E os EUA dependem do Brasil grande e independente para cravar os alicerces da Alca. Portanto…
Este País imenso territorialmente e que quer ser grande lá fora não pode, entretanto, continuar a dar provas de sua pequenez aqui dentro.
Não falamos de nossas crianças de rua, nem da fila dos nossos desempregados: no mesmo dia em que o presidente dava lição de moral no Itamaraty, deixava revelar, com sua ausência, a profundidade de uma fissura entre o Executivo e o Judiciário que se pensava aterrada. O presidente não foi à cerimônia de aniversário do Supremo Tribunal Federal (175) anos, e o presidente do STF, ministro Maurício Corrêa, não foi ao almoço em comemoração ao Dia do Diplomata, onde estava Lula. Para evitar o encontro, ambos alegaram problemas de agenda, como se o tamanho do Brasil dependesse delas ou das opiniões que ambos andaram emitindo recentemente e reciprocamente. “Espero que na próxima, ele (Lula) esteja aqui para nos cumprimentarmos e tratarmos de interesses superiores da República”, disse Corrêa, desapontado.
A “ousadia” que se recomenda em nossas relações lá fora tem o claro endereço da reconstrução de nossa auto-estima aqui dentro. Mas como melhorar a auto-estima numa casa onde as pessoas nem se conversam?
