O ano começou mal e janeiro já está perdido. Nesse ritmo, chegaremos ao final de 2004 em pior situação que 2003, ano das promessas nunca cumpridas, que acabou dedicado inteirinho ao aprendizado. Havia a promessa do ano novo, mas o presidente Lula se enrosca numa reforma que só depende dele e sua indecisão está levando o governo à paralisia. Sem saber ao certo quem fica ou quem sai, criou-se no Planalto aquele clima ruim que antecede as demissões na área sindical, que Lula conhece, chamado de “passaralho”.
Até pouco tempo, a desculpa era esperar o resultado da votação das reformas fiscal e da Previdência no Congresso. O governo fazia de conta, assim, que conduzia com rédeas curtas um PMDB reivindicante. A importância dos cargos acenados seria dosada de acordo com o entusiasmo do partido no apoio das vontades do Planalto. Mesmo mambembes e pela metade, ambas as reformas saíram há mais de mês e o anúncio do novo ministério acabou sendo sucessivamente adiado. O que era apenas uma preocupação política, já passa a ser também econômica. A incerteza costuma ser o calcanhar-de-aquiles de qualquer administrador. E o ministro Antônio Palocci, de reunião em reunião, não consegue esconder sua preocupação.
Já nem se fala mais em espetáculo do crescimento. Nem em geração de empregos. Nem mesmo em pequenas obras ou cuidados com as coisas essenciais – saúde, habitação, escola, segurança… O conflito dos índios e invasores de terras no Oeste do País toma conta do cenário nacional enquanto o presidente Lula resolve levar sua equipe inteira para a Granja do Torto em noitada de pagode, churrasco e, naturalmente, tragos de cachaça. Descobriu que demitir “companheiros” é mais difícil que convidá-los. E sua angustiante indecisão dá ao governo essa impressão de uma ação entre amigos.
Esse terrível sentimento de paralisia já transbordou e toma conta também do Congresso Nacional, convocado para trabalho extraordinário por acordo não escrito e nem divulgado. Ali todos aguardam que Lula – o “senhor do tempo” – bata o martelo de uma vez anunciando quem sai e quem entra. Mas não há martelo. Nunca alguém arrastou por tanto tempo um pequeno processo de mudanças que alguns insistem em continuar chamando de reforma.
Nesse clima de indecisão, não há acerto até para a pauta dos debates. A autonomia do Banco Central envolveu nesse vai-não-vai também o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que agora resolveu fazer outra revelação incômoda: pelo menos boa parte do governo, incluindo ele, é contra a aprovação da “emenda paralela” da Previdência, motivo da convocação extraordinária do Congresso. Uma nota técnica já teria sido encomendada ao ministro Ricardo Berzoini, com a qual o Planalto pretende aprofundar análise e ganhar tempo. Na verdade, enrolar, evitando assim a análise da matéria que – desconfia-se! – terá reflexos desastrosos sobre o teto salarial nos municípios…
Enquanto a nave do governo deriva sem rumo, a falta de trabalho aguça a imaginação. Há quem desconfie até que o objetivo do Planalto ao convocar o Congresso nesse mês de férias que antecede o Carnaval e, naturalmente, pouca coisa acontece, foi para desgastá-lo. E assim – conforme pensa o deputado paranaense Luiz Carlos Hauly – torná-lo refém do Executivo. “É uma molecagem”, definiu o deputado alagoano José Thomaz Nonô. Que vem desde o dia em que a ministra Benedita da Silva foi rezar em Buenos Aires com dinheiro do contribuinte brasileiro e teve a prévia defesa do companheiro presidente Lula.
Tudo o que os contribuintes querem é que a fase de pagode no Planalto termine logo. E comece aquela outra, de trabalho e realização.