Dentre as diretrizes políticas principais que norteiam a proposta de governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, destaca-se a idéia de pacto nacional, contrato social e/ou negociação nacional. Na sua “Carta ao Povo Brasileiro”, em 22 de junho de 2002, o então candidato Lula faz o chamamento a todos: “Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo País, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade”.
Já no seu primeiro pronunciamento à nação, como presidente eleito, no dia 28 de outubro, Lula reafirma seu pensamento: “Continuaremos a ter atuação decidida no sentido de unir as diversas forças políticas e sociais para construir uma nação que beneficie o conjunto do povo. Vamos promover um pacto nacional pelo Brasil, formalizar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e escolher os melhores quadros do Brasil para fazer parte de um governo amplo, que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares. Isso não se fará sem a ativa participação de todas as forças vivas do Brasil, trabalhadores e empresários, homens e mulheres de bem”.
Duas reuniões foram realizadas para iniciar os debates sobre a constituição do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, organismo ainda sem definição e estrutura, mas que, em princípio, será o espaço de discussão sobre medidas relacionadas com o pacto nacional. Existe por partes dos interlocutores convidados, em especial dos setores empresariais e sindicalistas, a aceitação do diálogo, mas não há, ainda, uma proposta concreta dos temas a serem abordados e que se constituirão na base de entendimento entre as partes convocadas e o governo federal, a não ser a questão do combate à fome. Tratando-se de um momento preliminar, esta será um das questões a serem equacionadas.
Historicamente, a mais recente tentativa de pacto social foi a proposta do ex-presidente José Sarney, em dezembro de 1986, quando afirmava: “Todo o esforço que o Estado faz, a partir da Nova República, é para restaurar a convivência nacional. Antes, havia um confronto entre Estado e sociedade. Hoje, vivemos numa sociedade solidária, onde todos estão opinando em busca de rumos” (Folha de S.Paulo, 20.12.86). Pretendia-se um pacto de curta duração, de três a seis meses, basicamente sobre as questões econômicas e foram convidadas as representações dos trabalhadores e dos empregadores. A proposta não obteve êxito, especialmente pelas diferenças de ponto de vista sobre as condições básicas de um acordo sobre reajuste de salários e não-pagamento da dívida externa. Naquela oportunidade, as condições eram mais difíceis que as atuais, pelo fato de que a sociedade emergia da ditadura militar e ainda não se houvera tempo para o exercício pleno das liberdades democráticas.
Pode-se considerar que o pacto nacional, com contrato social, foi finalmente alcançado com a promulgação da Constituição de 5 de outubro de 1988. Ao definir juridicamente a constituição da “nova” sociedade, isto é, a sociedade que emergiu de 25 anos de ditadura militar, a Carta de 88 estabeleceu, em todos os campos, os parâmetros da convivência nacional e os direitos e deveres sociais, recompondo e finalizando a primeira etapa do processo iniciado com a lei da anistia política de 1979 e abrindo caminho que possibilitasse um novo acerto entre as classes sociais.
Esse acerto foi gradativamente se tornando cada vez mais difícil, diante do avanço do neoliberalismo, gestando uma sociedade em que as diferenças econômicas, sociais e culturais foram o predominante na década de noventa. Por isso, ao se propor um pacto social, ou nacional, primeiro há que se verificar em que sociedade vivemos e que, diante dessas diferenças, que pacto será possível, “que permita iniciar o resgate das dívidas sociais seculares”, como afirma o presidente eleito Lula. Tarefa complexa a que são chamados os homens de boa vontade em um momento excepcional da vida brasileira. Desafio colocado às nossas principais lideranças que terão a grande oportunidade de demonstrar que a experiência acumulada neste recente período democrático e as lições colhidas do processo eleitoral serão aplicadas em benefício do conjunto de nosso povo.
A experiência histórica de pactos, na Europa e na América Latina, permite avançar para alguns parâmetros que poderão ajudar nessa caminhada. O primeiro, e mais significativo, é o de que nenhum grupo, segmento ou representação social poderá estar fora da conversação e dos encaminhamentos concretos. O segundo, de grande valia, a capacidade dos mediadores, lastreados em conhecimentos teóricos e de vida para bem manejar os procedimentos. O terceiro, de igual importância, saber indicar as metas factíveis e o período em que as mesmas deverão ser alcançadas. Por certo, a esses elementos outros serão somados, colhidos das lições já aprendidas por outras sociedades nas suas tentativas de encontrar pontos de identificação sobre os quais foram erguidas as bases de um entendimento duradouro. Missão difícil, mas necessária.
Edésio Passos
é advogado, ex-deputado federal (PT/PR).E-mail: edesiopassos@terra.com.br