Informações da Assessoria de Imprensa do STF dão conta de que, em 2008, “o Supremo Tribunal Federal concedeu 27 Habeas Corpus por inconstitucionalidade da prisão civil para depositário infiel. Neste ano de 2009, até outubro, 36 HCs foram concedidos (nessa mesma área). Um terço deles é de relatoria do ministro Cezar Peluso. Para afastar a prisão civil do depositário infiel, os ministros têm aplicado o Pacto de San José da Costa Rica. O site do Supremo está publicando uma matéria especial sobre o pacto, assinado há 40 anos por países americanos para garantir a proteção dos direitos humanos”.
“Ao analisar o pedido de um acusado de depósito infiel, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, levou em consideração o Pacto de San José e concedeu a liminar para suspender a ordem de prisão preventiva do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região”.
“Os acordos e tratados internacionais, entendeu o ministro, que versem sobre direitos humanos têm status acima das leis ordinárias, porém abaixo dos dispositivos contidos na própria Constituição, salvo se ratificados em votação semelhante às das propostas de emendas constitucionais”.
Esse entendimento foi firmado no RE 466.343-SP, no dia 03.12.08. Duas correntes existiam: (a) do Min. Gilmar Mendes no sentido de que os tratados de direitos humanos possuem status supralegal; (b) do Min. Celso de Mello no sentido de que tais tratados possuiriam status (sempre) constitucional. Predominou (por cinco votos a quatro) a primeira.
Entre esses tratados estão o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos (da ONU) e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) (da OEA). Os dois tratados foram ratificados pelo Brasil em 1992 e não admitem mais a prisão civil do depositário infiel (art. 11 e art. 7.º, 7, respectivamente).
Segundo o ministro, mesmo com esse tipo de prisão estando previsto no artigo 5.º, inciso LXVII, da Constituição brasileira, “Não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna”, afirmou.
No que diz respeito ao flagrante por tráfico ilícito de drogas e de armas, O Min. Celso de Mello (HC 91.389) lembrou que nem mesmo a Convenção Americana de Direitos Humanos “assegura, de modo irrestrito, o direito ao réu de sempre responder em liberdade”.
Com base no Pacto de San José e na Constituição (ainda segundo a informação da Assessoria de Imprensa do STF), os ministros da 2.ª Turma do Supremo concederam o Habeas Corpus 83.096 em favor de um acusado que não queria ser submetido a teste de perícia de voz. Ele foi denunciado pela prática de associação para o tráfico de drogas, após escuta telefônica. A defesa alegou ofensa ao artigo 8.º, inciso II, alínea “g”, do Pacto San José, segundo o qual ninguém será obrigado a depor, fazer prova contra si mesmo ou se auto-incriminar. Ao julgar o caso, a Turma acompanhou o voto da relatora da matéria, ministra Ellen Gracie, para assegurar ao paciente o exercício do direito ao silêncio.
Da informação oficial ainda consta que a Convenção Americana de Direitos Humanos, também chamado de Pacto de San José da Costa Rica, foi assinada em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, na Costa Rica, e ratificada pelo Brasil em setembro de 1992.
A convenção internacional procura consolidar entre os países americanos (da OEA) um regime de liberdade pessoal e de Justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido. O documento é composto por 81 artigos, incluindo as disposições transitórias, que estabelecem os direitos fundamentais da pessoa humana (sobre tais artigos cf. nossos Comentários à Convenção Americana de Direitos Humanos, 2.ª ed., São Paulo: RT, 2009).
O primeiro tratado que passou a vigorar no Brasil com o status de Emenda Constitucional foi o relacionado aos Direitos das Pessoas com Deficiência (porque aprovado por quorum qualificado).
Criada pelo Pacto de São José, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tem a finalidade de julgar casos de violação dos direitos humanos ocorridos em países que integram a Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconheçam sua competência.
A Corte é composta por sete juízes eleitos pela Assembleia-Geral da OEA. Os candidatos integram uma lista de nomes propostos pelos governos dos Estados-membros. Não pode fazer parte da Corte mais de um nacional de um mesmo país.
No caso do Brasil, o país passou a reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 1998. A Corte é um órgão judicial autônomo, com sede na Costa Rica, cujo propósito é aplicar e interpretar a Convenção Americana de Direitos Humanos e outros tratados de direitos humanos. Não se confunde com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que tem sede em Washington.
A Corte, basicamente, analisa os casos de suspeita de que os Estados-membros tenham violado um direito ou liberdade protegido pela Convenção. O artigo 44 do Pacto de San José permite que qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidades não governamentais legalmente reconhecidas em um ou mais Estados-membros da Organização apresentem à Comissão (sediada em Washington) petições que contenham denúncias ou queixas de violação da Convenção por um Estado-parte.
O Brasil já foi condenado pela Corte a reparar os familiares de Damião Xavier, morto por maus tratos em uma clínica psiquiátrica do Ceará conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Outro caso de grande repercussão que chegou à Comissão (não chegou à Corte) foi o que deu origem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência.
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, inconformada com a impunidade do marido que por duas vezes tentou matá-la, denunciou o Brasil junto à comissão ligada à OEA. O ex-marido de Maria da Penha, colombiano, só foi julgado 19 anos após os fatos e depois da denúncia ter sido formalizada junto a OEA. Ficou apenas dois anos preso em regime fechado. O caso ganhou repercussão internacional e, em âmbito nacional, levou o Congresso Nacional a aprovar a Lei 11.340/2006. A lei prevê várias medidas protetivas da mulher, quando ocorridas em âmbito doméstico ou familiar.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.blogdolfg.com.br