Pacote do bem

O Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central baixou a taxa básica de juros (Selic) com prodigalidade, medida apontada como eleitoreira, e o resultado deverá ser tirar votos. A medida não aduba o dinheiro de quem não o tem. Se lambuza de mel, é o patrimônio dos ricos. Mas nem destes, pois faz ganharem menos os que vivem brincando na ciranda financeira. Apenas agrada a alguns ricos de boa vontade, que querem investir e criar bens, riquezas e empregos. Eles existem, mas são tão poucos que não viram o esperado resultado das eleições. Para estes, o governo não fez mais do que a obrigação. E ainda tarde.

A questão dos juros é como um bolo que pode abatumar ou voltar a inchar, de acordo com a vontade dos confeiteiros do governo. Como receita demagógica, pode resultar em um bolo intragável. O pacote do bem está no forno do ministro Guido Mantega e abre o apetite dos sem teto, dos sem terra, dos sem nada, senão uma inabalável confiança em quem não faz, mas apregoa o milagre de fazer nascerem milhões de moradias, de repente, como cogumelos. Engana os que têm mais votos, os sem teto.

O pacote do bem trata da casa própria e isso basta para que, mesmo ainda no forno, exale um cheiro atraente. A turma dos ricos em votos sonha tanto com esse bem que está acreditando que, afinal, aí virão as milhões de casas que não passaram das miraculosas promessas de campanhas passadas.

O que foi divulgado sobre o pacote do bem não resiste a nenhuma análise séria. Mas em eleições os pacotes não precisam ter ?sustança?. Precisam de um cheirinho de agrado, mesmo que depois resultem em dores de barriga. Pelo que se sabe, esse pacote do bem está recheado de idéias para facilitar a compra da casa própria. Sua receita é a do crédito consignado, aquele que faz com que o necessitado saia correndo atrás do dinheiro fácil e caia numa arapuca. É um sistema de obtenção de crédito pelos que estão famintos, a dívida se eterniza, o tomador fica diante do impagável e o credor garantido pelo que ainda restar do minguado salário consignado. O tomador só percebe a esparrela em que entrou quando o dinheiro, que acabava antes do fim do mês, já nem sequer agüenta vencer os primeiros dias.

O pacote do bem estuda a aplicação do crédito consignado também no financiamento da casa própria, garantindo uma maior oferta de dinheiro para moradias. Isso lhe empresta a imagem de coisa boa, arrebanhando muitos votos, pois são milhões os brasileiros que vivem sob céu de estrelas. Mas mesmo o ministro que engendra o tal pacote do bem não consegue superar óbices possivelmente insuperáveis. Se derem crédito consignado aos mutuários da casa própria, estes não poderão atrasar suas prestações, sob pena de perderem as casas. Irão para o olho da rua. Se pagarem em dia, não terão como defender os salários que estão definhando a ponto de tirar a comida da mesa para cimentar as paredes. Para os banqueiros, um mar de rosas, pois o dinheiro emprestado volta de forma garantida. É retirado dos salários, sem perguntar se o mutuário está ou não passando fome. E, quando este estiver desempregado, vão tirar o crédito consignado de onde? Falam em tirar do FGTS, mas este já é ínfimo e finito. Desaparecerá quando o empregado perder o emprego. E minguará, em qualquer caso, pois é pouco e mesmo o banqueiro bonzinho não vai abrir mão da sua fatia. Vai demolir o que restar do FGTS e o trabalhador que se dane. Como o fundo é finito, ?finitus est? o sonho da casa própria financiada com o crédito consignado. E se os homens do governo conseguirem mágicas para salvá-lo, é certo que o milagre será operado em benefício dos credores e não dos devedores.

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