Outros efeitos face a inconstitucionalidade

Já tendo sido proferida sentença condenatória sem o trânsito em julgado para a defesa, a matéria relacionada com a individualização da pena, para fixação do regime inicial aberto, semi-aberto, substituição da reprimenda corporal por restritiva de direito ou sursis, pode ser argüida pela defesa ainda que já tenham sido apresentadas as razões da apelação, ou que tenha sido julgado o feito em segunda instância, mas que ainda caiba embargos de declaração, por se tratar de matéria de ordem pública, assim como direito público subjetivo do condenado.

A propósito, é indispensável tal argüição, ainda que serôdia, para fins de prequestionamento, a fim de garantir a subida de possível recurso especial ou extraordinário.

Nos casos em que já tenha sido julgado o apelo em segunda instância, com prazo ainda para apresentação de recurso especial ou extraordinário, está matéria pode ser argüida por contrariar lei federal (artigo 59, do Código Penal) e até mesmo divergência jurisprudencial face algumas recentes decisões do E. STF admitindo a progressão de regime nos crimes hediondos (CF, art. 105, inciso III, letras ?a? e ?c?), no caso de recurso especial (STF, Rel. Min. Eros Grau, HC n.º 87.495, j. em 07.03.2006; Relatora. Ministra. Ellen Gracie, HC n.º 86.591; STJ, Rel. Min. Nilson Naves, REsp n.º 75463, DJU de 21.11.05, p. 324; etc), assim como contrariar dispositivo da Constituição Federal (art. 5.º, inciso XLVI), para fins de recurso extraordinário (CF, art. 102, inciso III, letra ?a?).

Estando o recurso, seja especial ou extraordinário já admitido, quando não relacionado com a matéria regulada pelo dispositivo ora em estudo, um dos caminhos que podem ser percorridos seria a apresentação de requerimento ao Tribunal Superior para que de ofício conceda ordem de habeas corpus para apreciar esta matéria.

De qualquer forma o condenado pode valer-se do remédio heróico ainda que pendente de julgamento o seu recurso, esteja ele aguardando julgamento em segundo grau ou nos tribunais superiores, nos casos em que foi fixado o regime integral fechado, com invocação unicamente no dispositivo declarado inconstitucional, sendo negada a fixação de regime mais brando ou a substituição da reprimenda, quando cabíveis, também nestes moldes e sem motivação em outros elementos relacionados com o condenado ou com o crime.

A impetração neste caso terá como base legal a falta de fundamentação do julgado (CPP, art. 381, inciso III), a qual importa em nulidade absoluta (CPP, art. 648, inciso VI c/c 564, inciso III, letra ?m? e inciso IV), incidindo mais especificamente a este caso a Súmula 719 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, a qual dispõe que ?A imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea?, cuja exigência certamente não restará cumprida com a simples invocação pelo julgado de dispositivo declarado inconstitucional.

Neste particular, apesar do artigo 26 da Lei n.º 8.038/90 negar efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário, especialmente nas hipóteses em que a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, e a quantidade total da reprimenda corporal comporte a expiação em regime aberto com substituição da pena, ou em semi-aberto, onde tenha sido invocado apenas o dispositivo declarado inconstitucional para fixar o regime fechado, é possível pleito através de habeas corpus buscando este direito, seja para que o apenado aguarde em liberdade o julgamento, ou então para que cumpra a reprimenda no regime que teria direito caso não tivesse sido aplicada o dispositivo inconstitucional ora em estudo.

Dita interposição deverá ser apresentada junto ao Tribunal onde tramita o recurso, inclusive quando estiver pendente de julgamento recurso de apelação em segundo grau de jurisdição, sendo a autoridade coatora o juízo ou o Tribunal recorrido.

E nos casos onde já ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória para a acusação e defesa?

Pensamos que neste caso não cabe a aplicação da Súmula 611 do Egrégio Supremo Tribunal Federal, segundo a qual ?Transitada em julgado a sentença condenatória compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benéfica?, porquanto não se configura esta hipótese, não sendo também da competência do juízo da execução apreciar esta matéria, haja vista trata-se, como já visto, de questão relacionada com a individualização da pena, a qual é afeita ao juízo processante, por estar vinculada ao mérito da decisão condenatória.

E qual seria a medida judicial cabível, assim como o Tribunal competente para apreciá-la?

Ao nosso ver, em se tratando de reprimenda penal cujo apenamento base tenha sido fixado no mínimo legal, com fixação do regime integral fechado fincado unicamente no dispositivo declarado inconstitucional, e com pena que comporte o cumprimento da expiação em regime mais brando que o fechado, ou a substituição por restritiva de direito ou sursis, o caminho mas curto e rápido é a utilização do habeas corpus, pelos mesmos fundamentos que atrás apresentamos para fins de se obter efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário.

Neste caso a autoridade competente para apreciar é aquela que julgará o writ da autoridade que por último proferiu julgado sobre esta matéria, a qual deve ser eleita como a coatora. Ou seja. Se for a primeira instância, é o Tribunal de segunda instância, se for esta, cabe a Superior Tribunal de Justiça processar e julgar o habeas corpus, e ser for este, será o Supremo Tribunal Federal quem deverá apreciar o remédio heróico.

Já nos casos em que a pena-base tenha sido fixada além do mínimo legal previsto para o tipo, face a consideração de ser(em) negativo(s) algum(ns) do(s) referencial(ais) do artigo 59, do Código Penal, por se tratar de matéria de análise que de certa forma necessita cotejo aprofundado de prova, não comporta a apreciação através de habeas corpus, razão pela qual o caminho é a revisão criminal.

A admissibilidade da revisão nesta caso será embasada no disposto no artigo 621, inciso I, do Código de Processo Penal, porquanto a decisão condenatória certamente será ?contrária ao texto expresso da lei penal? haja vista que uma vez tendo o dispositivo sido declarado inconstitucional, deixou de existir no mundo jurídico, sendo que a sua invocação para fixar o regime de cumprimento da pena importa em utilização de norma penal inexistente, e em contrariedade ao disposto no artigo 59, do Código Penal.

Neste caso o que se debaterá na revisão criminal é a questão relacionada com os referenciais do citado artigo 59, assim como outras circunstâncias, tudo segundo as provas dos autos, a impedir que o condenado possa cumprir a reprimenda corporal em regime diverso do fechado, ou a substituição por restritiva de direito ou sursis, nas hipóteses em que a quantidade da pena permitir este abrandamento da sanção corporal aplicada.

É importante observar que neste caso não se trata de alteração de jurisprudência, a qual por si só não autorizaria a admissibilidade da revisão criminal, mas sim de declaração de inconstitucionalidade de dispositivo de lei.

Quanto a competência para apreciar dita revisão será aquela em que os Regimentos Internos dos Tribunais definirem, a qual normalmente é a segunda instância contra decisão desta ou de primeira, do Superior Tribunal de Justiça, quando ele proferir o julgamento (CF, art. 105, Inciso I, letra ?e?), ou do Supremo Tribunal Federal, contra os seus julgados (CF, art. 102, Inciso I, letra ?j?).

Ainda nesta linha de análise observa-se que o condenado não precisa se recolher à prisão para ver apreciadas e julgadas qualquer uma destas medidas judiciais, ainda que esteja foragido (Súmula 393 do E. STF).

Diante destas considerações conclui-se que face a declaração da inconstitucionalidade do artigo 2.º, § 1.º, da Lei n.º 8.072/90, para melhor interpretação do tema ora em estudo, devemos fazer um raciocino abstrato considerando que dito normativo nunca existiu no mundo jurídico, fazendo uma análise de cada um dos julgados que o invocaram segundo esta avaliação.

Feita esta abstração, passamos a analisar o julgado quanto a realização de efetiva fundamentação para fixação do regime corporal mais grave face a quantidade total da pena aplicada, quando possível a mais branda, assim como a possibilidade de aplicação de substituição da reprimenda corporal, quando a pena corporal não ultrapassou a quatro anos, ou sursis para reprimenda corporal não superior a quatro anos para condenados com idade igual ou superior a setenta anos, ou dois anos para os demais apenados.

Também entendemos importante reiterar que esta questão cuida-se de matéria de ordem pública (porquanto, conhecível até mesmo de ofício), sendo também direito público subjetivo do condenado em ver, se não deferida a sua pretensão, ao menos indeferida devidamente fundamentada segundo as provas dos fatos carreadas para os autos, e não através de simples invocação do dispositivo declarado inconstitucional.

E nem se diga que agora infratores perigosos serão colocados em liberdade, porquanto, segundo dispõe o artigo 59 do Código Penal, tanto a quantidade da pena, quanto o respectivo regime de cumprimento, ficam a cargo do juiz que deverá fazer incidir em quantum e modalidade suficiente e necessária para a reprovação e prevenção do crime, e com certeza os julgadores saberão, e estão preparados, para no caso concreto fazerem a diferenciação entre os condenados desiguais, e em especial porque se está cumprindo mandamento constitucional da nossa Carta Magna elaborada através de princípios democráticos, dentre os quais se encontra a dignidade da pessoa humana, a qual por si só repele a aplicação de pena que inviabilize a ressocialização, cuja circunstância restará configurada caso seja aplicado ao condenado regime integral fechado para cumprimento da expiação.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas e da Escola Superior da Advocacia da OAB/PR, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos -Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?. 

E-mail: jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@ jorgevicentesilva.com.br
Site ?jorgevicentesilva.com.br?

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