Outro ano que vai. Mais um que vem, logo mais no espoucar de mil fogos de artifício. Quanta festa e tristeza reunidas num só sentimento! Feliz ano novo é uma forma de dissipar nosso desaponto. Mas também um jeito de manifestar ainda esperança. Que não pode morrer. E que por isso se renova. Ergamos a taça num brinde. Borbulhante, mesmo que imaginário.
Sem Saddam Hussein, o senhor dos piolhos, segundo Mario Vargas Llosa, será diferente este 2004. O que finda em poucas horas tinha a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser bem melhor desse ano que se vai. Paciência. Já passou e o que interessa está para vir. Aqui, em Brasília, na China e alhures. Exploradores siderais sonham transformar a Lua em estação de transbordo. Para Marte. Cada vez mais pessoas imaginam que a Terra é um lugar perigoso. Lula não apenas sonha – mas promete – o começo da viagem ao paraíso, que fica logo ali. Afinal, passamos o ano de 2003 inteiro preparando o caminho, pavimentando a estrada. Agora é só caminhar, seguindo a estrela.
Não será tudo tão fácil, já sabemos. Num ano de eleição tem muita mentira. Ou verdade, para muitos impossível de apalpar. Quem julgará Saddam, qual será a sentença? Quem será o novo prefeito da cidade, onde será o próximo assalto e quem a vítima? Que fazenda haverão de invadir os despossuídos comandados pela inteligência que força a reforma agrária de olho no poder? Quais os campeões do período na bola, na raquete e na corrupção? Quem sobreviverá para virar a folhinha, lá adiante, no final de outro dezembro? O futuro não oferece nenhuma certeza a ninguém, é verdade. Nem aos livres, nem aos aprisionados sem chance de ressocialização. Apenas a fé é capaz de produzir segurança, aliás, esperança. Confiança no porvir e, não sendo possível, ao menos no sonhar. Apesar de tudo, Lula tem razão: é preciso um pouquinho de fé em cada coração. E não existe ainda imposto – nem pedágio – sobre o sonho. Mesmo que transgênico.
O mês primeiro de janeiro chega com uma enxurrada de impostos, alguns maiores que antes, para pouco e péssimo serviço público em troca. E dizer que todos esperávamos – assim era a promessa – que baixassem. Mais uma dentre tantas traições sofridas durante o ano inteiro que passou pela cidadania resignada. Mas não muda. No Planalto, juram que isso era necessário. Para o nosso bem. Melhor ficará com o Congresso em convocação extraordinária sem pauta definida – o escândalo referido pelo presidente da Câmara (e pensado por todos nós) que tem o aval do presidente da República. A política dos conchavos tem razões que a platéia pagante desconhece.
O ano que termina foi histórico. E deixará saudades. Foi o ano em que o PT sofreu sua maior metamorfose. De estilingue virou vidraça; de oposição inconseqüente e estrepitosa foi feito governo intransigente. Mas descarrilado de suas antigas crenças. Logo mais, tentará reformar o inchado ministério. Na busca dos trilhos e eleitores perdidos. Na compensação de seus radicais expulsos – eles que apenas continuaram a defender as mesmas e conhecidas idéias. Mudar é preciso. Para esticar o quanto der no tempo o projeto de poder. Para “reinaugurar o Estado” com a filosofia do marco zero. Na fome, na política internacional, no combate à seca, na caça ao crime organizado, na guerra ao analfabetismo recenseado ou no desemprego subavaliado, mas com conta bancária sem taxas, pronta para abocanhar mais CPMF.
Que ousaríamos querer mais? Está na cartilha: “Em cada área, do controle do gasto público aos indicadores macroeconômicos, do combate à fome ao estabelecimento de diretrizes para os marcos regulatórios, dos novos parâmetros para a segurança pública às novas formas de gestão, do enfrentamento da corrupção e desperdício à criação de um ambiente propício à produção, do fortalecimento do pacto federativo ao chamamento de toda a sociedade para a busca de soluções, uma nova atitude diante das tarefas da administração federal e a ação do governo se fazem presentes, para colocarem ao alcance da mão um país mais próspero, solidário e justo” (in A mudança já começou). A mesma mão que, por enquanto, merece esse brinde de Feliz Ano Novo. Salute!