Um resgate necessário: Conferência Estadual do Trabalho no Paraná
A Conferência Estadual do Trabalho no Paraná foi ato preparatório ao Fórum Nacional do Trabalho, organizada e efetivada a partir de maio de 2003, sob direção geral do dr. Geraldo Serathiuk, então Delegado Regional do Trabalho no Paraná. Participei como Mediador da Conferência e a Relatora foi a professora dra. Aldacy Rachid Coutinho, da Universidade Federal do Paraná, responsável pela elaboração do relatório-síntese divulgado em 7 de agosto de 2003. Esta a sexta e última parte do Relatório.
"Outras formas de trabalho"
24) Preservado o exercício dos direitos indisponíveis dos trabalhadores, quais devem ser as compensações para as micro e pequenas empresas que lhes assegurem um tratamento diferenciado?
– Há consenso que deve haver um tratamento burocrático e tributário diferenciado à micro e pequena empresa, sem distinção quanto aos direitos constitucionais do trabalhador, recomendando por maioria que seja estimulado o empreendedorismo nas escolas.
– Por unanimidade foi apresentada proposta de que preservados os direitos indisponíveis dos trabalhadores, inclusive quanto às normas regulamentadoras de medicina, segurança e higiene do trabalho, a legislação tributária simplificada (SIMPLES) deve ser estendida para todos os setores da economia, como estímulo à geração de emprego e renda, além da desburocratização para abertura de empresas e formalização de contratos de trabalho.
– Por consenso entendeu-se que é necessária, de forma preemente, uma reforma da legislação processual do trabalho no tocante a assistência judiciária às pequenas e microempresas, prestada pelos sindicatos de empregadores.
– Recomenda-se a alteração do artigo 179, da Constituição Federal de 1988, para incluir a questão trabalhista e o acesso ao Judiciário.
25) Deve-se manter ou alterar a atual legislação relativa às cooperativas? Nesta hipótese, qual deve ser o tratamento reservado às cooperativas de trabalho?
– Recomenda-se a revogação do parágrafo único, do artigo 442, da CLT e o aprimoramento da legislação em vigor relativa ao cooperativismo, pois o empreendedorismo solidário deve ser regulado por lei própria e, ainda, uma regulamentação adequada das cooperativas de produção e serviço.
– Por maioria propõe-se o aprimoramento do cooperativismo de trabalho, através da alteração da lei das cooperativas, Lei n.º 5.764/71, que deverá regular adequadamente a cooperativa de produção e de serviços, coibindo a cooperativa de mão-de-obra, nos termos da Recomendação n.º 193, da OIT.
– Recomenda-se, para o desenvolvimento do cooperativismo popular solidário, que seja eliminada a exigência de um número mínimo de 20 cooperados, o controle e o registro obrigatório pela Organização das Cooperativas Brasileiras OCB e OCEPAR, bem como a integralização de capital mínimo.
– Recomenda-se seja reformada a legislação de sorte a viabilizar a formação de cooperativas de crédito e de trabalho, dos trabalhadores solidariamente organizados de forma autogestionária com viabilidade de acesso aos fundos públicos e participação em licitações dos poderes públicos.
26) Como aperfeiçoar os princípios de subsidiariedade e solidariedade na definição de responsabilidade sobre encargos trabalhistas em caso de terceirização e de contratação interposta?
– Por consenso entendeu-se necessária regulamentação mais detalhada que preveja as hipóteses permissivas da terceirização, explicitando as circunstâncias concernentes às atividades fins e meios, estendendo a aplicação do artigo 121-A, da Lei n.º 6.01/74, para garantir que a atividade da empresa tomadora condiciona o salário, as condições de trabalho e a representação sindical, bem como as normas de medicina, higiene e segurança do trabalho, dispondo ainda sobre a solidariedade entre a tomadora e a prestadora.
– Por unanimidade entende-se que para conferir maior proteção ao trabalhador e contribuir para a eficiência administrativa das empresas e, conseqüentemente, obter-se uma melhor qualidade de seus produtos e processos, deve haver uma melhor regulamentação da solidariedade das obrigações decorrentes das relações de emprego entre a tomadora e a prestadora dos serviços.
Quanto ao combate à informalidade, tem-se, por questão de consenso:
– A busca de mecanismos que propiciem a coercitividade eficaz ao direito processual do trabalho, aparelhando-se melhor a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, bem municiando adequadamente o Ministério do Trabalho e Emprego, com recursos materiais e humanos.
– Estímulo da conciliação extrajudicial por meio das Comissões de Conciliação Prévia Intersindicais voluntárias. – A criação de uma lei que regulamente o consórcio de empregadores urbanos e rurais, incorporando as regulamentações administrativas já existentes. – A extensão das medidas de proteção à saúde e segurança do trabalho previstas na CLT e normas regulamentadoras a todas as relações de trabalho.
– A constituição e institucionalização de um grupo de trabalho com objetivo estratégico de discutir o futuro do mundo do trabalho de modo permanente. – Estímulo da discussão de um projeto piloto para construção de um espaço que centralize e integre os diversos serviços relativos ao mundo do trabalho (Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, SERT, INSS, entidades sindicais patronais e profissionais, Sistema S, entidades da sociedade civil organizada, etc.).
– A cobrança de um percentual sobre o faturamento da empresa a fim de custear INSS, PIS e Cofins. – A título de incentivo, empréstimos, com juros especiais, a fim de fomentar o empreendimento desde que freqüentasse, junto às Universidades Públicas, cursos de administração e gerenciamento empresarial a fim de treinamentos para gerir melhor os recursos. Tais cursos teriam duração mínima de 90 dias ou mais, conforme entendimento das chefias dos departamentos das universidades. – A redução da alíquota de INSS em relação aos trabalhadores autônomos.
– Abatimento em valores cheios no imposto de renda de pessoa física das contribuições pagas a título de FGTS e INSS e qualificação profissional pagas por conta dos trabalhadores domésticos, quando registrados. – A contratação por período de até 6 meses a título de serviços temporários de trabalhadores acidentados, gestantes e emergências da produção, somente com a participação dos sindicatos patronais e profissionais, desde que devidamente comprovada. – Enquadramento pelo governo federal como obras de cunho social de construções de casas populares de baixa renda, sendo que para tal fim a obra executada por uma construtora seria enquadrada no sistema simples federal, com uma ótica específica.
– A desoneração da folha de pagamento, deixando apenas o salário e o FGTS, bem como a contribuição previdenciária, com redução da alíquota da empresa. – A individualização da conta previdenciária nos moldes do FGTS. – A educação profissionalizante concomitantemente com o ensino médio ou posterior, além de criação de cursos livres e básicos. – A manutenção da forma de gerenciamento do Sistema S, com administração tripartite, de empresários, trabalhadores e governo.
Por recomendação, pela maioria:
– Que somente deveriam estar legalizadas as cooperativas de trabalho de profissionais liberais, especialistas ou mistas, devendo ser consideradas ilegais todas as cooperativas de mão-de-obra. – A revogação da Medida Provisória n.º 2.164-41/2001, no tópico que amplia a permissão de contratação de estagiários do ensino médio, pois tem propiciado o uso fraudulento do estágio substituindo a contratação formal de trabalhadores. – A reforma na legislação objetivando diminuir a carga tributária (fiscal e social) a fim de se englobar todos os trabalhadores, evitando a marginalização.
Em posição minoritária, digna de registro e apontada como sugestão:
– A viabilização de estudos sobre novos modos de trabalho, como o tele-trabalho, o trabalho a distância.
Quanto a qualificação e certificação profissional, tem-se, por questão de consenso:
– A inclusão no currículo do ensino regular, de jovens e adultos, programa(s) que viabilizem a articulação com a educação de campo e com a formação profissional técnica/tecnológica; – A instituição de reserva de vagas às pessoas acima de 40 anos em programas de requalificação ou reabilitação profissional/social intitulado ?Programa Recomeço qualificação, emprego e renda?. – A inclusão da Lei do Estágio, Lei n.º 6,494/97, na abrangência da fiscalização.
– A vinculação dos benefícios federais à contrapartida dos usuários destas políticas de modo a comprometê-los com a obrigatoriedade de qualificação profissional/social. – O incremento da divulgação dos programas de crédito instituídos pelos governos, bem como democratizar e facilitar o acesso ao micro-crédito, viabilizando sua obtenção. – A disponibilização de assessoria técnica e jurídica para o aprimoramento de novos empreendedores. – A revisão metodológica nos cursos de qualificação profissional, reavaliando seus conteúdos e períodos de duração. – A realização de parcerias com universidades, associações de classe, secretarias de educação, para certificação profissional e ocupacional com classificações de ocupações, profissões, carreiras e competências. – O resgate da formação ampla do homem através da integração educação trabalho. – A qualificação dos trabalhadores em situação de exclusão social. – A determinação de que todo trabalhador cadastrado na agência do trabalhador que não possuir escolaridade básica deverá ser encaminhado aos organismos de educação de jovens e adultos.
– A atribuição da responsabilização para qualificação profissional ao governo através da secretaria da educação e do trabalho, aos sindicatos independentemente das centrais sindicais, às empresas e às entidades de formação profissional. – A inclusão no currículo escolar de disciplinas correspondentes aos setores produtivos mais expressivos de cada município/região (vocação econômica). – A contemplação de disciplina de educação para o trabalho enquanto direito e perspectiva de futuro. – O incentivo de uma política social de inclusão nos orçamentos municipal, estadual e federal, destinado à qualificação profissional, para geração de trabalho e renda.
– A articulação de ações de qualificação profissional com políticas de erradicação do analfabetismo da PEA. – O estabelecimento, através do Poder Público, de uma política continuada de qualificação profissional, que garanta o acompanhamento da evolução tecnológica do mercado de trabalho. – Privilegiar programas de qualificação profissional destinados a adultos acima dos 24 anos, que garanta a elevação da escolaridade dos participantes, uma vez que, o adolescente, de 14 a 16 anos, já tem tutela específica e prioritária pela Lei n.º 10.097/00, que deve ser mantida e o jovem, entre 16 e 24 anos, será beneficiário do Programa Primeiro Emprego.
– Contemplar com bolsa-auxílio, o jovem ou adulto desempregado, em fase de formação profissional. – Articular programas de qualificação profissional com educação básica e com as demais políticas públicas de emprego (seguro-desemprego, geração de emprego e renda, intermediação de mão-de-obra). – Estabelecer novo modelo de qualificação profissional, que inclua nos projetos pedagógicos disciplinas correspondentes a temas do trabalho e da cidadania, ao comportamento humano, valores morais e empreendedorismo, estimulado pelo cooperativismo e associativismo.
– Criação de centros públicos de qualificação profissional em parceria com a sociedade civil (empresas, instituições, órgãos com ou sem fins lucrativos). – A certificação dos cursos de qualificação profissional será concebida por órgãos públicos competentes (Ministério da Educação, secretarias estaduais de educação e órgãos credenciados para atividades específicas).
– Para o primeiro emprego deverá ser feito um pacto social entre governos federal, estaduais e municipais, bem como entre associações comerciais de cada cidade e suas federações, sindicatos patronais e profissionais para que seja aceita como experiência profissional a capacitação de no mínimo 6 meses, com carga horária compatível, sendo que no final da capacitação, o aluno receberá a sua Carteira de Trabalho e Previdência Social com o carimbo homologando esse período de capacitação como a experiência exigida para o primeiro emprego, sem ônus para o aluno trabalhador.
– O Sistema S deverá ser mantido, tendo a participação administrativa de forma tripartite.
Por recomendação, pela maioria:
– Que o ?Programa Fome Zero? estimule o beneficiário do repasse governamental a freqüentar programas de alfabetização e/ou qualificação profissional. – Alteração do parágrafo único do artigo 488, da CLT, acrescentando-se na sua parte final ?e, por 15 dias quando comprovar a participação em curso de capacitação profissional?.
– Alteração do artigo 2.º, da Lei n.º 8.900/94, que dispõe sobre o benefício do seguro-desemprego que passaria a prever que o benefício do seguro desemprego será concedido ao trabalhador desempregado por período máximo variável de 3 (três) a 5 (cinco) meses de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo, cuja duração será definida pelo Codefat, sendo que se o beneficiado comprovar freqüência em curso de qualificação profissional, de no mínimo 40 horas de duração, receberá mais duas parcelas do seguro-desemprego.
– É o Relatório. Curitiba, 7 de agosto de 2003. Aldacy Rachid Coutinho. Relatora?.
27) Observações finais: o relatório foi encaminhado ao Fórum Nacional do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego. Assim também os Relatórios das outras conferências ou Reuniões Estaduais Preparatórias. Infelizmente, esse rico material foi publicado apenas na Revista do TRT/PR e nem mesmo aproveitado nos debates daquele Fórum. Com esta divulgação, oportunizada pelo caderno Direito e Justiça, não apenas se cumpre esse resgate fundamental como contribuição ao debate da reforma sindical e trabalhista, como permite a todos os operadores do Direito a oportunidade do conhecimento do relatório da dra. Aldacy Rachid Coutinho, de exemplar apresentação dos temas analisados.
E-mail: edesiopassos@terra.com.br