Conclusão da entrevista do professor doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, professor de Direito Processual Penal dos cursos de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Paraná, Doutor pela Università Degli Studi di Roma ?La Sapienza? e atual Representante da Área de Direito junto a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), autarquia que legalmente controla e fiscaliza a Pós-graduação no Brasil, aos professores MSc. André Lipp Pinto Basto Lupi, coordenador de Monografias e ex-coordenador do Curso de Direito de São José/SC e o professor MSc. Rogerio Dultra dos Santos, atual coordenador do mesmo curso.
Rogerio Dultra dos Santos – Professor, o que é que você pensa da atribuição do título de mestrado para o que hoje se chama de mestrado profissionalizante?
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho – O mestrado profissional é uma coisa que se inventou na Capes, há uns anos, como uma forma de responder a uma determinada demanda do mercado. O problema começa por uma questão de constitucionalidade. A Capes não pode criar um curso por Resolução, ou por Portaria. Isso parece uma coisa evidente. Ou seja: não tem a Capes legitimidade legislativa para impor uma inconstitucionalidade, o que é óbvio. E este é o motivo pelo qual, agora, a matéria voltou à baila, entre outras coisas, na reforma universitária, dado que se quer fazer inserir o mestrado profissional, o que daria constitucionalidade a ele.
Eu, hoje, estou convencido que o mestrado profissional, em que pese o título horrível pode ter alguma valia para certas áreas. Há uma idéia em certos setores de que a expansão deve vir por esse mestrado profissional, algo de acordo com o momento neoliberal, onde predomina o mercado. Afinal, a idéia é de que esse mestrado profissional respondesse por uma demanda de mercado que dizia respeito a um aperfeiçoamento daqueles que já tivessem título.
Um engenheiro, digamos, de uma fábrica que, diante da automação dela, voltasse para a Universidade, não mais para o lugar que ele ocupava, que já ocupou, mas para um outro nível e neste por força do curso que fizesse, que se admitia fosse um curso de um ano, com aulas no final de semana e terminasse com um trabalho qualquer, entre outras coisas… que ele ganhasse o aperfeiçoamento necessário. Porque, com esse aperfeiçoamento ele voltaria a trabalhar, por exemplo, com automação na fábrica. Assim, estaria voltado para essa finalidade.
Fizeram, então, uma forçada distinção, claro, porque, entre outras coisas, banalizou-se a especialização, dado que isso seria uma coisa típica da especialização, como sempre foi a especialização na medicina, por exemplo. E para isso, a especialização se prestaria muito bem. Como se banalizou a especialização, criaram um outro nome para ela, com a distinção e aí que entra a questão referente ao Direito de que, por força das regras da Capes, este título, obtido num curso que não tem nada de diferente, a não ser um eventual trabalho final, que já era cobrado em muitas especializações, esse título teria o valor do título de mestre, com as prerrogativas do título de mestre. Por exemplo: entrar no percentual de trinta e três por cento do corpo docente que a LBD exige dos Cursos de Graduação e assim por diante.
A sustentação da Capes é que isso tem muito pouca influência nas estruturas atuais porque está voltada essencialmente para o mercado, ou seja, aprimoramento para o mercado. O exemplo que eu dei do engenheiro serve bem; aprimoramento para o mercado. Aprimoramento para o médico, no novo aparelho de radiologia, ajudando-o no mercado. É, enfim, para o mercado.
O problema é que no Direito, e em algumas outras áreas, a par do mercado, onde um curso deste tipo tem muito pouco efeito, muito pouco valor, o que se tende a fazer é preparar mal as pessoas.
A mim foi questionado, por exemplo, quando me coloquei contra, se não seria possível, se não seria viável algo do gênero para os peritos. Respondi negativamente, porque a objeção é simples. Evidentemente que não dá, se for um curso de final de semana, uma especialização com outro nome, porque os professores não vão aprofundar o saber que já dispõem os peritos. Ora, precisaria muito mais do que isso, porque é ingenuidade pensar que comportaria, para um mestrado em Perícia, um cursinho de final de semana.
Mas há um fator vital que contrapõe o mestrado profissional com o mestrado acadêmico. É que o mercado e é isso que se esquece em relação ao Direito antes de ser um mercado profissional é um mercado do ensino do Direito. É preciso pensar, então. Eu não sei quantas são, hoje, as Faculdades, mas eu fiz uma conferência no começo do ano em Cuba e tive que fazer uma pesquisa para escrever sobre isso e me foi informado pela OAB que nós estávamos com oitocentas e cinco Faculdades de Direito, sendo certo que agora já são quase novecentas.
Assim, é preciso pensar que essa gente que vai fazer um curso desse tipo vai ocupar o espaço, o lugar de um mestre no mercado do ensino do Direito. E aí, o que nos resta questionar, isso sim, é se esse curso que visava preparar para o mercado possa ser eficiente, pensando do ponto de vista neoliberal, mesmo, para preparar um mestre, um professor para sala de aula. Enfim, é preciso pensar assim: alguém que fizesse um mestrado profissional em Perícia, e que saísse com o título de mestre profissional em Perícia, imediatamente ia passar a mão naquele titulo e bater na porta de uma Faculdade e dizer: eu quero dar aula! Só que nós não temos uma cadeira de Perícia. Veja como é distinto, como é diferente, quando você fala de um mestre profissional lá no campo do engenheiro mecânico, com sua relação com a máquina nova. Nós, como se sabe, não temos uma disciplina em Perícia. Aí o coordenador, o diretor, vai perguntar: ?Sim, você é mestre, tenho que lhe aproveitar porque tenho que ter trinta e três por cento de professores com título. Mas do que você vai dar aula então?? E ele vai dar aula do quê? Parece uma coisa evidente: dos ramos do Direito que estudam as perícias. Sobra, porém, uma pergunta: você vai preparar neste curso um professor de direito processual? De alguém que faz um curso… que tenho minhas dúvidas se se abonaria como perito. Mas, você abonaria tal mestre como professor de Direito Processual, embora com um título que vale o que vale o acadêmico? Essa é a questão séria, muito séria, disso daí. Talvez a mais importante.
Em suma, estou pensando aqui é na Universidade, nas Faculdades de Direito, na formação, na qualidade do que se deve formar, na luta que se deve ter para um ensino de qualidade mesmo, que você não vai produzir com gente deste naipe. Com um sujeito que tem um título deste quilate. O cidadão faz um Mestrado Profissional em ?Gestão Judiciária?, como estão propondo por aí… e foi negado pela CAPES, pelo menos pela área de Direito. Essa gente vai fazer ?Gestão Judiciária? e, assim, salvo engano, administração de cartório e sei lá o quê. O escopo é, de fato, a gestão do foro? Não! Vão pegar esse título e sair correndo para a primeira Faculdade dar aulas de Direito Processual, de Direito Civil, de tudo o que aparecer. Estão habilitados para tanto? Ou isso é só para complementar o salário dessa gente? Uma forma de burlar o Sistema Nacional e o mestrado acadêmico, porque alguns não querem se submeter aos testes para entrar no mestrado acadêmico na Univali, na Federal de Santa Catarina, na Federal do Rio Grande do Sul, na PUC do Rio Grande do Sul, na Unisinos, na Federal do Paraná, etc. O pior é que, em geral, aqueles que se habilitam têm tido enorme sucesso, com uma produção de extrema qualidade, refletida, inclusive, no plano profissional. Digam, então. Este é que é o problema!
Só que tem uma coisa mais grave desde o ponto de vista do Sistema Nacional de Pós-graduação, do qual eu, pela área de Direito, sou representante hoje; ou estou representante hoje. Trata-se da questão do mercado de trabalho. Do ponto de vista do mercado, se essas quase novecentas Faculdades colocarem um mestrado profissional que vai dar um título que desde o ponto de vista legal vale a mesma coisa que o acadêmico e já está se pensando em fazer o doutorado profissional, que é mais grave ainda , pergunta-se: quem é que vai querer fazer um mestrado acadêmico, como nós todos fizemos, com todo aquele tempo, sala de aula, disciplinas fundamentais, Filosofia do Direito, Sociologia, enfim…? Quem vai fazer um mestrado acadêmico, devendo gastar para, dentro das estruturas, assistir aulas? Quem, quem vai fazer um mestrado acadêmico se você pode fazer um curso de final de semana e sair com um título igual? Pergunta: na área do Direito, nós temos cinqüenta e três Programas, quinze com doutorado, ou seja, mestrado e doutorado. Os outros todos, só mestrado. Quantos vão resistir em um mercado deste naipe? Quem vai querer fazer mestrado acadêmico? A Univali, que tem mestrado. Quem vai à Univali fazer mestrado acadêmico se pode entrar em uma porta na frente e fazer um mestrado profissional? Quem vai querer fazer o mestrado acadêmico? É a pergunta que não quer calar. Em resumo: o sistema está fadado ao naufrágio, à bancarrota. Pior: a banalização do valor dos títulos, em nome de uma expansão inadequada que só responde ao deus mercado, donde a expansão errônea da graduação em Direito não serviu de lição. Quando a questão é mercado e falar dele é falar de lucro , quem se importa com valores como a cidadania, mesmo porque alguém vai sempre pagar um preço; ou o pato.
Não precisa ter muitos neurônios para saber que lá na frente não só se faz naufragar a qualidade do ensino do Direito da graduação como, em termos de sistema de pós-graduação, é um caos. Ou seja, se alguém tinha pretensão de fazer mestrado e doutorado, como nós fizemos… Sala de aula, estudo, investigação, disciplinas fundamentais, Filosofia, interdisciplinaridade e tudo mais… Se alguém tinha essa pretensão, ficou complicado. Porque você faz um curso de fim de semana, uma especialização com um outro nome bonito e pronto, está lá, dentro do sistema. Isto é uma das coisas mais perversas dentre os efeitos do neoliberalismo.
Eu, da minha parte, não me presto para fazer o papel de coveiro do Sistema Nacional de Pós-graduação e só tenho me mantido porque é preciso resistir, antes que algum aventureiro lance mão… Hoje estou plenamente convencido, embora o nome seja horroroso, que para alguns campos, este tipo de estudo até pode ser eficiente. Tem o exemplo do engenheiro mecânico, com uma nova máquina na automação, e assim por diante. Agora, tem campos, como o nosso do Direito, onde isso é absolutamente inviável, seja pelo reflexo na graduação, seja pelo reflexo na pós-graduação. Enfim, em sendo regra de mercado, vai prevalecer o mercado. E aí, o que nós vamos ver é, de fato, um naufrágio. Então, se você está se preparando para ser um professor, com dedicação, se sua vida gira em torno de uma Universidade, etc e tal, é preciso ficar atento. Logo pode ter pouca serventia, vamos dizer assim, se se pensar em mercado do ensino. O grande problema deles e um pouco da nossa esperança está ligada ao fato de que nesse mercado do ensino a eficiência se vincula aos que sabem mais; e aí vai depender dos mestres e doutores acadêmicos. Mas é só aí, com tudo o que tem de discutível.
André Lupi – Voltando à outra questão. O professor falou da outra ponta, de Programas de excelência, e o Direito já está na segunda avaliação, dentro do novo sistema. Não sei, inclusive, se houve um caso em que nós tivéssemos um Programa com nota sete. Por que mesmo os melhores Programas de Direito não alcançam a nota sete? Qual é o critério que está faltando a esses Programas para alcançarem a nota máxima?
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho – Só tivemos, de fato, duas avaliações dentro do novo sistema. Portanto, é recentíssima a alteração das notas, do critério de notas. Dentro da estrutura anterior, dentre os Programas de Direito, não eram poucos os que tinham nota máxima, considerados top de linha. Ou seja, último nível, então, ?A?, em escala de ?A? a ?D?. Hoje, no país, vocês sabem, temos quatro Programas de excelência. São quatro Programas que têm nota seis, em escala de 1 a 7, para os Programas que têm mestrado e doutorado. Assim, você tem nota de um a cinco, para quem tem só mestrado. E aí, a excelência é cinco. Esse é o top de linha. Às notas seis e sete só chegam os Programas de excelência que têm inserção internacional, além dos dois cursos, ou seja, mestrado e doutorado. Um critério que só faz duas avaliações que se colocou em prática e, portanto, tem cinco anos, dois referentes à primeira avaliação e três referentes à segunda.
Isto é muito pouco porque em algumas áreas, como a área do Direito, a dita inserção internacional ? como é a visão que a Capes tem do que significa a inserção internacional ? é, de fato, muito complicado, porque o Direito, como em algumas outras áreas, é algo que se faz pensando na sua própria sociedade. Basta você imaginar que do ponto de vista qualitativo (digamos, a hierarquia das publicações), tende-se a uma avaliação pela produção. E a produção é demarcada pelo lugar onde se publica. Em alguns lugares isso está muito definido. Na Medicina, por exemplo. Só que na Medicina, Mal de Hansen é Mal de Hansen aqui e na China. A osteoporose é a mesma aqui e nos Estados Unidos, na China. Então, na Medicina, isso está muito hierarquizado. Ora, você pega as revistas médicas e as melhores são as internacionais, que estão catalogadas e para se conseguir publicar lá é um desafio. A pesquisa também é uma pesquisa, em geral, de ordem internacional: esse projeto genoma; o projeto que diz respeito à pesquisa da Aids; a pesquisa do câncer, etc, vincula gente da França, dos Estados Unidos, enfim… do mundo inteiro. Toda essa luta é uma coisa que se faz hoje no plano global. Pergunta: quem, da Inglaterra, da América, da Itália, pode ter interesse no que se passa com os trabalhadores do Brasil e o problema que eles têm para receber salário? Ninguém ou quase ninguém; e isso limita muito a publicação no exterior colocando em dúvida o critério que se utiliza na avaliação. Em suma, o critério de publicação, só para dar um exemplo, que se usa nas outras áreas, para nós é altamente questionável. Mas se é assim, estamos fazendo o quê? Estamos paulatinamente escutando, discutindo e preparando, digamos, uma estrutura capaz de albergar as devidas inserções. Afinal, esses Programas que são top de linha e mais alguns, que hoje têm notas quatro e cinco, têm uma larga inserção, às vezes até, em alguns setores, maior do que os Programas que as outras áreas têm. Por exemplo: o Programa do qual participo como professor plenamente (UFPR) tem mais professores que dão aulas no exterior do que muitos Programas de outras áreas que têm nota sete, por conta da pesquisa e da publicação. Então, é uma questão de critério. Para o atual, nós nem estávamos preparados. Afinal, quando determinaram o critério nós quase fomos pegos de surpresa e de conseqüência estamos trabalhando para poder definir aquilo que é a diferença da área, assim como fazer com que dentro dela a matéria vá analisada, vá observada. Quando isso acontecer, com toda tranqüilidade nós teremos Programas com sete, porque nós temos muitos Programas que, à nossa moda, digamos assim, têm inserção internacional de larga escala… Falta, enfim, ao Sistema Nacional de Pós-graduação, respeitar mais as diferenças das áreas para aí sim ter-se uma avaliação adequada e justa. A luta, para tanto, não é pequena e nem pode ser de alguns, logo, cabe a todos a sua parcela de esforço.