Os radicais não sumiram do mapa

O PT apenas começa seu governo e a primeira impressão que se tem, mais de 40 dias no poder, é que o partido está tão à vontade quanto um mecânico de black-tie. Mas, ainda assim, se esforça em transmitir o discurso dos que usaram o black-tie na festa anterior. O primeiro grande choque do PT, nem tanto para quem votou na legenda, mais para os militantes que durante 20 anos se empenharam na “construção do partido”, foi constatar que aquilo que se imaginou para o dia seguinte ficaria para depois. Com o amargo sabor de que este depois pode ser adiado para um outro depois.

É traumático, isto? É um choque, mas, traumático, não. O ex-ministro Delfim Netto, que no final do ano passado torcia pela vitória de Lula com a euforia de um torcedor do Flamengo, tinha um argumento histórico. Os grandes partidos democráticos de esquerda na Europa tiveram um caminho parecido. Nasceram no meio dos trabalhadores, se transformaram em partidos de massa e assim se credenciaram ao jogo do poder. No Brasil, estava, enfim, consolidando o grande partido de esquerda, se é que havia alguma dúvida, com batismo derradeiro, o de governar o País.

Claro que para o ciclo se fechar é necessário que o PT tenha sucesso administrativo e não caia nas armadilhas do populismo. Em qualquer um dos casos, seria ruim para o PT e o País. Se ele se sair bem, então, pelo menos no que se refere à esquerda, o quadro partidário nacional fica definido. Mesmo assim não é tão simples. A menos que haja muita sutileza no jogo político petista, ele enterra a cada dia em um relógio que corre contra o tempo os sonhos não de revolução, mas de mudança radical na estrutura econômica, fundiária e política do País. O que pode transformá-lo em um partido como os outros.

Se há dentro do PT correntes que acreditam em algum arremedo de socialismo ou de se reduzir via ação política a concentração de renda, para usar uma metáfora, o mais sensato será procurá-la fora do partido, talvez em outro, que, pelo menos teoricamente, teria como herança uma parte expressiva de tudo o que o PT representou até agora.

Este patrimônio não parece destinado a siglas existentes, como o PPS, descendente do PCB, sempre à direita do PT. E muito menos ao PSB, mais aberto ao imediatismo eleitoreiro que a um programa de reforma nacional. Em nenhum se vislumbra um projeto alternativo consistente para mudar a centenária estrutura econômica e social do País, dominada por uma elite que se sucede a si mesma. Os dois partidos, pela prática de seus líderes nacionais, são iguais aos outros, faz muito tempo. Os radicais não sumiram, estão apenas atordoados. Quando acordarem, talvez tenham de ir para outro lugar. O pequeno PSTU é o mais visível à esquerda do PT. Ou talvez para uma agremiação resultante do casamento dos radicais do PT com o PSTU. O que não parece possível é que os rebeldes do PT, que esperaram tanto tempo por uma chance de mudar a estrutura social brasileira, cruzem os braços, durante quatro anos, enquanto o governo Lula tenta fazer algo que até agora parece uma espécie de FHC III. Mesmo porque, parece não lhe restar outra coisa depois das costuras que fez para chegar ao poder.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado.

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