Os quarenta réus

A Procuradoria Geral da República tratou como sendo uma quadrilha criminosa os quarenta denunciados do escândalo do mensalão. Mas ainda é cedo para afirmarmos que tenham existido efetivamente, apesar das evidências, os ?quarenta ladrões?. Ou apenas os quarenta. Não obstante, os denunciados, que pensavam estar acima de qualquer suspeita e isentos até de julgamento, acabam de sentar-se no banco dos réus para serem julgados, condenados ou talvez até absolvidos. Mas a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada em cinco dias úteis que terminaram na última terça-feira, é histórica porque mostra que aquela corte é capaz de fazer justiça, processar cartolas, políticos poderosos, avançar no campo ético e criminal, num passo importantíssimo de aperfeiçoamento das instituições democráticas.

A decisão do STF, aceitando a denúncia do procurador-geral da República, o quase antoninense Antonio Fernando de Souza, está sendo comentada pelos meios de comunicação do Brasil e de todo o mundo. Mas tem escapado um aspecto que julgamos relevante por mostrar mais um avanço que precisa ser divulgado e aplaudido, sem tabus, para evidenciar o progresso social que temos alcançado através da inclusão de minorias ou mesmo maiorias alijadas pelos grupos dominantes.

É de se assinalar que o recebimento da denúncia do Ministério Público deu-se num tribunal, o mais elevado da hierarquia da Justiça brasileira, presidido pela primeira vez por uma mulher, a ministra Ellen Gracie, que colocou a importante matéria em pauta. Relevante também que no corpo de ministros, composto de onze juristas, figura também uma segunda mulher. E as mulheres, neste País, quase sempre estiveram distantes ou minoritariamente presentes onde se tomam as mais importantes decisões para a vida brasileira. Mais relevante e revelante ainda o fato de o ministro Joaquim Barbosa, relator do extenso processo contra os quarenta figurões do governo, do PT, de seus partidos aliados e circunstantes que colaboraram ou participaram dos crimes apontados, ser um negro. Não temos racismo, dizem. Mas qualquer brasileiro consciente sabe e se envergonha de admitir que de fato temos racismo. O mais nojento, abjeto de todos, porque enrustido, hipócrita, que age contra cidadãos de outras raças que não a branca dominante. Joaquim Barbosa, com sua atitude corajosa relatando e indicando para serem processados os quarenta figurões, honra a magistratura brasileira. A branca, a negra, que é infelizmente ainda tão pequena, assim como Ellen Gracie confirma o avanço das mulheres como cidadãs capazes de, lado a lado com os homens, colocarem este País no ?PAC da moralidade? e da decência na vida pública.

O ministro Joaquim Barbosa, numa das raras vezes em que se manifestou à imprensa, se pôs contra o absurdo do foro privilegiado que até aqui tem conseguido tornar quase impunes os políticos. E que, a partir de uma lei abjeta votada pela Assembléia de Minas Gerais, que foi vetada pelo governador Aécio Neves, mas confirmada pelos deputados, tende a expandir-se, blindando além das autoridades de primeiro escalão e eleitas, para se transformar num guarda-chuva protetor de milhares de gestores da coisa pública e políticos. Proteção para quem não é povo, mas, em geral, seu algoz.

A decisão do STF, baseada no parecer do ministro Joaquim Barbosa, transformou os suspeitos em réus e arranhou o governo. Agora, é fazer-se justiça, o que não prescinde de formalidades legais e obediência às normas e textos que valem para todos, até para os grandes ladrões. Ninguém foi condenado, mas a decisão do STF mostrou que ninguém tem o privilégio de ser antecipadamente absolvido por ser poderoso. Quem sabe, doravante, pensem duas vezes antes de pôr as mãos nos recursos do povo.

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