A Bíblia ensina que bem-aventurados são os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus. Por aqui, tem se firmado o equívoco de que o reino do poder político será dos pobres de dinheiro. Como são a maioria, há candidatos que os bajulam e procuram fazer crer que pobreza é uma virtude. Que há uma natural empatia entre candidato pobre e eleitor pobre. Pior do que isso, entre candidatos que gostam tanto de pobres que fazem o povo permanecer nesse estado de graça, na dureza. Assim, não se fechem as portas dos céus da política, seja a rampa do Planalto ou os vidros blindados que a sanha de uma multidão de sem terra, sem teto e sem amor à democracia estourou em recente e cinematográfica tomada da Bastilha do Congresso Nacional. Inversão propositada: o candidato não tem como esconder que está com a ?mala?, mas proclama que o seu eleitorado tem a força, porque é e precisa continuar sendo ?duro?.
Não nos referimos a nenhum candidato determinado. Nossa referência é a vários, quase todos, pois não poucos usam essa demagogia hipócrita. Ser pobre num País rico como o nosso não é virtude, mas injustiça. Nem será crime ser rico, embora destes e dos camelos não seja o reino dos céus, devendo contentar-se com as mordomias do poder político. Mas, como num antológico filme do italiano Ettore Scola, nem só os ricos são sacanas. Há, por incrível que pareça, muito pobre capaz de tirar até pão da boca de criancinha.
Obedecendo a legislação eleitoral e, desta vez, com menos tapeação porque o escândalo do caixa 2 andou ameaçando o prestígio de alguns políticos, os que são candidatos fizeram suas declarações de bens. Aí descobriu-se que Lula, pretendente reincidente à Presidência da República, é amigo dos pobres, mas ele próprio não é nenhum ?duro?. Nem milionário. É, pelas declarações ao TSE, o mais rico dos concorrentes. Depois dele, e bem abaixo, vem Alckmin, que, apesar da cara e jeito de ?patricinho?, não exibe nenhuma fortuna invejável. Heloísa Helena é a mais ?dura? dos concorrentes e sua campanha se desenvolve, de fato, de forma franciscana. É rica, entretanto, em boa vontade e idéias para ajudar o povo, mas mantém um amor tão grande por ele que, sem querer, poderá mantê-lo nesse estado de graça para sempre, pela ineficiência de suas nobres idéias de gestão da coisa pública.
O sofisma implantado de que ser pobre é bom e é preciso votar em candidato ?duro? está fazendo com que olhem para o candidato que as pesquisas apontam como favorito, o presidente Lula, como se fosse um rico camuflado. Só porque é dos candidatos o mais abonado e tem um patrimônio de uns R$ 800 milhões. Não o perdoam por isso e tentam apontá-lo ao eleitorado como alguém que, por seu patrimônio, não merece o reino do poder político mais uma vez. Também porque diz que não deve, não paga nem sabia que tinha uma dívida pessoal de R$ 29,4 mil para com o PT. E quem confessa que pagou essa ninharia isenta o presidente de qualquer responsabilidade, declara que quitou a dívida porque é amigo do homem e que nunca discutiu o assunto com ele. Aí, são pegos em inocente contradição, pois o dinheiro era tão pouco que tanto o nissei pagador como o pernambucano devedor esqueceram-se até de que discutiram tão pequena importância. Um assunto de somenos.
O patrimônio de Lula não é nenhuma dinheirama escandalosa. Ele é político há muitos anos, sempre ganhou, como tal, muitíssimo bem, e as merecidas e legais mordomias permitem polpudas economias. Foi e é inteligente e fez boas aplicações. É só calcular, mesmo que por cima, e vê-se que isso não prova que andou se refestelando no mar de lama em que o Brasil tenta navegar.