Os municípios brasileiros: seus recursos e problemas

Porque a maioria dos municípios brasileiros não tem crescimento sustentado, com reflexos econômicos positivos no crescimento e qualidade de vida de seus habitantes?

O ponto central da questão está assentado numa administração racional, criativa e bem intencionada de suas potencialidades e de seu “PIB” e ainda pelo afastamento inadiável do conceito político unilateral de gerir a “coisa pública”. É visível o gritante descompasso entre os necessários recursos de toda ordem, sejam materiais (logísticos e estratégicos), pessoais (principalmente), financeiros, institucionais etc. etc., em fim todos, e as fontes que possam supri-los.

Sabemos que os municípios são células macroeconômicas que precisam ser dirigidas com sinergia, imprescindivelmente por uma equipe com sólida formação política no sentido científico da palavra e domínio estratégico de visão antecipada no campo da Administração Pública.

Por isso, o momento urge e requer prefeitos com acuidade administrativa e não improvisadores e ainda que estejam assessorados de profissionais com sólida formação acadêmica e desejável experiência profissional específica para cada área e perfeito domínio de conhecimentos na área de Planejamento Operacional Estratégico Integrado. É preciso um urgente basta no empirismo puro e no clientelismo no Serviço Público! Administrar a “Coisa Pública” é coisa séria e requer mais do nunca profissionalismo! O sistema do mérito, mesmo nos cargos de confiança, deve de estar no império da lei moralizadora, justa e decente (art. 37 “caput”, incisos I, II, V e § 2.º da CF em vigor).

Neste sentido, o município cujo dirigente tenha uma meta realista e dinâmica a cumprir, deve dispor, além de uma administração aberta e participativa, também da eficiência e eficácia como fatores básicos de toda sua gestão.

Diante desta diretriz, impõe-se, desde logo, a adoção de um plano orçamentário, analítico, plurianual e transparente, onde os objetivos da receita e despesa sejam administrados com a disposição inarredável de cumpri-los, adicionados a medidas de fomento às potencialidades de sua região geo-econômica.

A política habitacional também poderia ser um forte instrumento de fixação do homem a sua região de origem, além do fortalecimento da economia. Por isso, entre os grandes problemas das comunidades, a habitação aparece com destaque, razão porque esta deveria ser acentuadamente municipalizada, confiando tudo desde projetos, recursos financeiros, financiamentos etc. a sérias e bem organizadas cooperativas habitacionais geridas pela própria comunidade.

Quanto ao alcance dos objetivos da receita e despesa, aqui também merece outro destaque de fundamental importância. Posso dizer com segurança máxima, que a totalidade dos municípios brasileiros administram mal seus recursos financeiros, isto é, arrecada mal seus tributos próprios, especialmente o ISS, daí porque ficam sempre na dependência dos repasses financeiros da união e dos estados (FPM e ICMS). Do lado da despesa, na atual conjuntura, quando conseguem equilibrar o fluxo de caixa, o fazem com sacrifícios de metas essenciais e retrocessos no campo social.

Se a população, as necessidades sociais e as áreas metropolitanas de um Município crescem de forma acelerada, é óbvio que a demanda por mais recursos financeiros está na razão direta daquelas. Pensar de forma diferente configura regressão social e heresia de princípios.

Os jornais do nosso Estado em recente matéria, a propósito das condições financeiras dos municípios, vêm mostrando que inúmeras prefeituras estão em completo desequilíbrio e algumas impossibilitadas de funcionar ou prestes a fechar suas portas. O quadro realmente é de caos!

No momento das grandes dificuldades orçamentárias todos (União, Estados e Municípios), sem exceção, trocam farpas entre si. A verdade, porém, a bem da Nação, é que todos têm sua parcela de culpa!

Sabemos que a União com a CF/88 empurrou inúmeros encargos aos Municípios, permitiu o advento da “lei Kandir” e com o espúrio FEF (Fundo de Estabilização Fiscal), posteriormente transformado em DRU (Desvinculação de Recursos da União), um cheque em branco sem volta que a Federação passou ao Poder Central, veio sacrificá-los ainda mais. São R$ 40 bilhões que a União poderá gastar onde quiser. Já pensou se a moda pega nos Estados e Municípios brasileiros!

O Sistema Tributário Brasileiro hoje, se é que assim podemos chamá-lo, apresenta-se totalmente superado, trazendo sérias fissuras, face aos remendos a que sofreu ao longo dos anos desde o advento do modelo de reforma trazido pela Emenda Constitucional nº 15 de 1.965.

Nesta mesma área, também os Municípios não cumpriram a sua parte, pois até hoje não se estruturaram tecnicamente no campo do Planejamento Fazendário. O Imposto sobre Serviços (ISS), por exemplo, que deveria lhes dar maior suporte financeiro por incidir sobre os serviços (operações de natureza econômica) no âmbito municipal, perde para o IPTU que incide sobre a propriedade e que pela sua natureza deveria ser mais brando, além de ser político e socialmente antipático. O prefeito que opta por dar mais atenção à cobrança do IPTU não dando a devida atenção ao ISS, seguramente está na contramão de uma boa política tributária. Mesmo o IPTU sendo um imposto com lançamento célere com base no “Cadastro Imobiliário”, a maioria dos exercícios fica por volta de 35% a 45% represados em “Dívida Ativa” e leva anos para ser efetivamente cobrada no judiciário. O ISS com todas as falhas de origem (técnica, social e política), além de ser relativamente “cumulativo”, ainda continua a ser a melhor alternativa do Governo na reforma tributária. Extinguir este imposto, passando parte do “fatos geradores” para o IVA e outra para o IVV (pequenas operações locais) seria realmente a opção mais ruinosa da “reforma”.

Na verdade, o maior problema de todas as equipes de técnicos que dirigiram a economia deste país (a maioria de neoliberais monetaristas), há várias décadas pensam que tudo pode ser resolvido por decreto, cujas medidas de gabinete ficam bem distantes da realidade sócio – econômica.

A séria questão de reestruturar a economia de um país tem um raio de ação funcional, operativo, descentralizado e escalonado, por isto é antes de tudo um problema de Administração, onde requer técnico competente com participação efetiva na equipe das decisões.

Outro tema de suma importância é o da Reforma Municipal que, entre outros exaustivos debates, também já foi alvo várias vezes da coluna especializada de Luiz Nassif (ver a “Folha de S. Paulo” de 8/11/98, Caderno 2 – Dinheiro). Diz o prestigiado colunista em alguns pontos de sua matéria: “Por princípio, município deve ser a unidade federativa que tem um determinado percentual de receita própria para financiar seus gastos”, e mais “Há municípios em que o ISS não chega a R$ 2,00 por ano por contribuinte”, e ainda: “Mas, para ser município, precisaria dispor, no mínimo, de uma relação de R$ 1,00 de arrecadação própria para cada R$ 1,00 de transferência ou aqueles que não alcançarem esta condição devem deixar de ser municípios” (grifei).

Como exemplo da discrepância na relação arrecadação/ano/habitantes do ISS nos municípios do Paraná, dou apenas cinco exemplos: Curitiba – R$ 110,00/hab.; Cascavel – R$ 34,00/hab.; Pato Branco – R$ 18,00/hab.; Campo Largo – R$ 12,00/hab. e Castro – R$ 7,00/hab. Estes números são aproximados, evidentemente. Com relativa exceção, no que refere a Curitiba, os outros quatro municípios têm a arrecadação do ISS muito aquém de suas potencialidades.

A propósito deste tema, a Revista “Tempo Municipal” de out/nov/99, editada pela Femupar, em seu editorial disse que os municípios paranaenses vinham fazendo a lição de casa quanto à arrecadação de seus tributos próprios e que os mesmos têm sido ciosos nesta prática. Quanto a isto, posso afirmar com absoluta certeza que esta não é a realidade comprovada pelos fatos e dados. E também porque se assim fosse a situação financeira dos municípios não seria esta que hoje se encontra. Quem conhece, como eu bem conheço, sabe que os municípios brasileiros nunca cobraram corretamente seus tributos próprios, em especial o ISS, não ficando os paranaenses fora desta regra geral.

Mas, a incapacidade de planejar e arrecadar dos municípios brasileiros deve-se somente a fatores internos administrativos e de planejamento? Claro que não! E nós sabemos muito bem porque!

Quando se pensa em tributos, é imprescindível ter-se em mente que um país é um grande condomínio onde todos devem dar sua parcela de contribuição, por isso é inevitável cobrar de todos para que possamos cobrar menos de cada um (justiça fiscal).

No momento em que o Estado Brasileiro conseguir ser competente e eficaz na solução dos problemas municipalistas, inclusive o da Reforma Agrária justa e séria, as populações terão maior fixação no interior do país, sem o desdobramento em êxodo de grandes contingentes humanos ocupando a periferia e logradouros das grandes cidades, na busca de soluções para seus angustiantes problemas de sobrevivência.

Por outro lado, se os Municípios brasileiros só ficarem na dependência de repasses financeiros (Fundos, AROs etc.), bem como de recursos estranhos à sua gestão, inevitavelmente permanecerão no “circulo vicioso da pobreza”, ou seja, não incentivarão novos investimentos produtivos multiplicadores para a geração de empreendimentos/empregos e circulação de mais riquezas; não possibilitarão a recepção de equipamentos e serviços sociais essenciais e necessários à população, não aumentarão a arrecadação de tributos de forma competente e justa. Certamente, terão que contar com favores dos Poderes Centrais (União e Estados) ou na dependência cada vez maior de empréstimos ou financiamentos de terceiros (endividamento progressivo), levando-os a total inviabilidade administrativa, o que eqüivale a falência irreversível no âmbito privado.

Ivan Veronesi de Jesus

é contabilista, consultor, tributarista, administrador, auditor e professor.

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