Definição. Juan Ferrando Badía define Estado como uma ordenação ?que tem por fim específico e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma dada população sobre um dado território?. (Badía, Juan Ferrando. El Estado Unitário, el Federal y el Estado autonômico. 2.ª Edição; Madrid; Editorial Tecnos; 1986; páginas 158 e seguintes).
Finalidade. Desta maneira, o Estado tem por objetivo gerir a ?coisa pública?, visando atender ao interesse coletivo.
Laico. Dentre as acepções para palavra ?laico?, encontradas no dicionário Houaiss, destacamos: ?que ou aquele que é hostil à influência, ao controle da Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral, sobre as instituições e os serviços públicos; que é independente em face do clero e da Igreja, e, em sentido mais amplo, de toda confissão religiosa?.(Houaiss, Antônio; e Villar, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Objetiva; Rio de Janeiro;RJ; 2001).
Estado laico. Assim, caracteriza-se o Estado laico pela sua total independência e separação em relação à religião.
Constituição Federal. A Lei Máxima brasileira prevê no art. 19 a separação entre Igreja e Estado.
Hermenêutica. Segundo interpretação dos juristas, tal afastamento se cumpre pela inexistência de religião oficial. Entretanto, entendemos haver descumprimento da norma e da ideologia do Estado laico uma vez que, de fato, a vinculação religiosa permanece através de artifícios usados pelo Poder Público e que citamos neste artigo.
Falácia. Fato é que há mitos no que se refere a esta separação entre Estado e religião, sustentados pelos estudiosos da ciência jurídica através de falácias lógicas e sofismas. Fatos. Ações do Estado trazem à baila a vinculação ainda presente.
Contradição. Por exemplo, há incoerência entre o propósito do art. 19 CF e seu preâmbulo que diz: ?Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, (…) promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte Constituição (…).
Justificativa. Fundamentam os autores que, apesar do preâmbulo, o Estado permanece leigo porque é a República Federativa do Brasil que se laiciza e que está vedada a instituir religião oficial. Isto não significa que ela deva ser confundida com Estado ateu. (Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. Ed. Atlas; São Paulo; SP; 2002, página 639).
Significado. Consideramos que o verdadeiro Estado laico é o ente público de direito interno que administra a res publica protegendo interesse coletivo, de maneira imparcial, apolítico, independente e universalista, imune à qualquer influência doutrinária, sectária, inculcadora, mística.
Finalidade. Separar poder estatal do poder religioso era pretensão antiabsolutista, movimento intensificado a partir do séc. XVII, principalmente com os ideais da revolução francesa.
Conquistas. A cisão entre Igreja e Estado foi avanço que propiciou consolidar os direitos fundamentais, característica importante dos Estados Democráticos de Direito.
Estado de Direito. José Afonso da Silva afirma que ?a democracia, como realização de valores (…) de convivência humana, é conceito mais abrangente do que o de Estado de Direito, que surgiu como expressão jurídica da democracia liberal? (Curso de Direito Constitucional Positivo. Ed. Malheiros; São Paulo; SP; 2000, página 116)
Constitucionalismo. A acepção genérica do termo ?constitucionalismo? faz referência a movimento político-social com finalidade de limitar o poder arbitrário (dos monarcas) que se justificava em uma delegação da ordem superior e suprema.
Meio. Esta limitação foi feita através das Constituições, principalmente pela inserção dos direitos fundamentais que sujeitaram as atividades estatais às previsões constitucionais.
Distorção. Entretanto, os ideais de laicização estatal do Constitucionalismo e do Estado Liberal se mostram disconexos com a realidade atual.
Ofensa. Hoje, a atuação dos agentes políticos (congressistas, deputados estaduais, vereadores e chefes dos executivos) está díspar com o princípio do estado laico.
Imparcialidade. Sendo exercentes de mandato eletivo, estes agentes deveriam agir, efetivamente, de maneira isenta, sem compactuação ou imposição de opção religiosa ou qualquer ideologia pessoal (de cunho particular e de foro íntimo).
Realidade. O uso da máquina estatal para interesse particular ou de grupos específicos que são mais fortes e influentes – tornou-se recorrente não só no Brasil, mas também no mundo.
Aproximação. De fato, ainda vivenciamos e sofremos as conseqüências da íntima relação entre política e religião, manifesta não só na facilidade em se instituir igrejas, mas na proliferação de representação religiosa no Congresso Nacional, nos chefes dos poderes executivos e no radicalismo ideológico das mesmas a nível nacional e global.
Incoerência. Existe incoerência entre a teoria e a práxis do Estado: é laica somente nas Constituições, lei, jurisprudência, mas na prática, ainda é fortemente influenciado pelo poder religioso que tanto impedem mudanças que ofendam seus interesses quanto criam situações novas atreladas a seus dogmas.
Esferas. Amostra desta influência religiosa tão marcante são os feriados religiosos instituídos pelos entes federativos.
Inconstitucionalidade. Consideramos estas legislações inconstitucionais por ofenderem, principalmente, os princípios da isonomia (art. 5.º CF) e do Estado laico (art. 19 CF). Elas oficializam comemorações de certas religiões através da criação dos feriados oficiais. São de cunho religioso mas que se manifestam sob a couraça de nomenclaturas como ?padroeiros da cidade? e ?festa de criação da cidade?.
Coerência. Para ser coerente com a isonomia e estrutura laica, o Estado não poderia ter nenhum feriado religioso: respeitaria assim, verdadeiramente, o livre-arbítrio e não estaria oficializando nenhuma escolha religiosa.
Feriados Religiosos. Seguem feriados religiosos e correlatos – de âmbito federal – existentes no calendário brasileiro (Ano Base: 2006):
– Nossa Senhora Aparecida (12 de outubro);
– Natal (25 de dezembro);
– Páscoa (móvel);
– Corpus Christi (móvel);
Vertentes. Estados e municípios também tendem a estabelecer feriados religiosos, reflexos do poder religioso local. Abaixo, exemplificamos (In Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista?de?feriados?brasileiros, Acesso em 11.06.06):
– Feriados estaduais: Amapá, dia 19.03, São José; Amazonas, 8.12, Nossa Senhora da Conceição; Ceará, 19.03, Dia de São José; Maranhão, 8.12, Nossa Senhora da Conceição; Rio Grande do Norte, 29.06, Dia de São Pedro;
– Feriados municipais: Vitória, 24.04, Dia de Nossa Senhora da Penha; Goiânia, 24.05, Nossa Senhora Auxiliadora; Belo Horizonte, 15.08, Assunção de Nossa Senhora e 8.12, Nossa Senhora da Conceição; Curitiba, 08.09, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais; Rio de Janeiro, 20.01, São Sebastião, 23.04, São Jorge.
Mitos. Abaixo indicamos outras manifestações que revelam o mito do estado laico:
– Atos ecumênicos existentes em festas oficiais;
– A existência de cruz com imagem de Jesus Cristo em órgãos públicos tais como as secretarias de Estado, Tribunais de Justiça, Varas, Congresso Nacional, Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores;
– Campanhas políticas promovidas, financiadas e apoiadas por igrejas objetivando eleger seus candidatos;
– Juramentos oficiais com menção a Deus e sobre a Bíblia;
– Linguagem utilizada pelos políticos, juizes, promotores dentre outros agentes do poder público com termos de ideologia religiosa (sacerdócio, bíblia).
Nomes. A própria denominação de alguns estados brasileiros (sem mencionar alguns municípios) denota religiosidade: Santa Catarina; São Paulo e Espírito Santo.
Justificativa. Usualmente se justifica a manutenção destas manifestações religiosas argumentando preservação de tradição, cultura. Entretanto, sua permanência interessa e privilegia grupos religiosos específicos apesar da incompatibilidade com princípios ligados ao Estado laico, à liberdade de pensamento, opinião e crença, hoje vigentes nas Constituições.
Privilégio. Não há isenção, renovação ou avanço enquanto se proteger ideologia, tradição, conservadorismo ou qualquer doutrina.
Liberdade. Os autores partidários dos feriados religiosos argumentam que sua previsão reforça a liberdade de crença e religião prevista na Constituição Brasileira.
Realidade. Há incoerência neste raciocínio porque os feriados religiosos oficiais estão ligados a grupos religiosos mais fortes, impondo, de fato, uma ideologia em detrimento do exercício de liberdade mais ampla.
Conseqüência. As ainda existentes expressões de Estado religioso são repercussões da dominação da Igreja Católica, resquícios do Direito Canônico, e imposição de linhas religiosas crescentes do último século para cá.
Proteção. A proteção constitucional da liberdade (de crença e religiosa) visa permitir que cada indivíduo possa se manifestar pacificamente sem que haja perseguição, interferência ou repressão do Estado. Isto não significa transpor para o âmbito público algo que é da esfera particular e individual.
Antiuniversalismo. Estes aspectos analisados mostram que o Estado atua mais ligado à ?democracia paralela? podendo ser denominado como um Estado que compactua com os dogmatismos, sectarismos, partidarismos, sendo, de fato: ?clerocrata e ecoteocrata? (sujeito ao poder das diversas vertentes religiosas e seus dogmas); ?episcopocrata? (orientado e influenciado pelo episcopado dogmático); ?jesuitocrata? (governo controlado por jesuítas,, místico, idolátrico, fanático) ou ?hierocrata? (governo influenciado por sacerdotes, dogmático, místico, idolátrico) (Vieira, Waldo. Homo sapiens reurbanisatus. CEAEC, Foz do Iguaçu; PR; 2003, páginas 846 e 847).
Estado Mundial. O ideal do Estado mundial para onde caminhamos – é que ele seja apartidário, apolítico, conscienciocêntrico, e sob o voluntariado estatal.
Verdade. A verdadeira liberdade se atrela à maturidade no exercício do livre-arbítrio, da liberdade de pensamento e sua manifestação, e cabe ao Estado permitir sim, sem qualquer partidarismo religioso, a livre manifestação pacífica e ordeira de todas as pessoas.
Adriana de Lacerda Rocha é doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA – Universidad Del Museo Social Argentino, mestre em Direito Constitucional pela PUC-RJ. Professora universitária, advogada da OIC – Organização Internacional de Consciencioterapia e Conselheira da Unicin União das Instituições Conscienciocêntricas Internacionais, em Foz do Iguaçu-PR. Autora de vários artigos e do livro Autonomia Legislativa Municipal, Ed. Lumen Juris. larocha04@uol.com.br