Começou como começam os rios: tênue, pequeno, um simples filete. Agora essas águas sujas da corrupção na Saúde Pública já se espraiam caudalosas pelas bordas de um largo manancial. E prometem ou sugerem mais afluentes, com a determinação do ministro titular para investigar as nascentes estaduais e, quiçá, também aquelas municipais. Os rios alimentam os mares, assim como os vampiros – conforme conta a lenda – alimentam-se de sangue in natura e, modernamente, também de seus caros derivados.

Muito tempo atrás, sugeriu-se que bicicletas tinham a ver com a Saúde Pública. Café pequeno, mas que custou a honra de um ministro contra o qual nada ficou apurado. De lá para cá – dez, doze anos ou mais! – porque a Saúde Pública estava mal, criou-se um imposto especial para salvá-la, a atual CPMF, que ainda continua provisória, mas crava os tentáculos definitivos do Estado arrecadador sobre toda movimentação realizada pelos contribuintes agonizantes. Pagamos os tufos para ter saúde boa e, sabemos agora, enchíamos os bolsos dos “vampiros” e “sanguessugas” encastelados em graúdos postos do órgão encarregado da administração de coisas importantes ligadas à nossa vida.

Quanto mais corre o rio, mais detalhes em seus meandros: sabe-se que, além de antigos e experientes “vampiros”, alguns dos personagens envolvidos no escândalo (o rombo até aqui conhecido é calculado em mais de dois bilhões de reais) eram antigos “companheiros” do ministro Humberto Couto e, entre outros “agradecimentos”, colaboravam com fundos de campanha eleitoral… Dizer que também este ministro, como José Dirceu, foi igualmente “in-com-pe-ten-te” e não percebeu o que se passava à sua volta, é repetir fábula criada e sem muita graça. Por isso, embora se presuma a boa-fé de Humberto, assiste razão aos que defendem, como o senador Jefferson Peres está defendendo, sua exoneração. À mulher de César não basta que seja honesta, é preciso, também, que assim pareça.

Louve-se, de qualquer forma, a persistência (e o sucesso) da Polícia Federal e do Ministério Público nas investigações até aqui trazidas ao conhecimento público. Demonstram que, apesar de tudo, há um lado bom do governo querendo combater seu lado feio e mau. E que não poupa sequer as organizações não governamentais desconhecidas que cuidam da saúde… indígena, quem diria! Mas antes que o palpite do ministro Humberto Couto seja levado adiante (generalizar a investigação pelos estados), é preciso ir até o fim na apuração de tudo quanto de fato ocorreu nos porões do Ministério da Saúde, que a tudo centraliza de algum tempo para cá.

No Congresso Nacional, um outro debate deveria já ter tomado corpo: o que questiona exatamente a permanência do “imposto do cheque” – a CPMF que tinha como objetivo original melhorar o atendimento da Saúde Pública. Não melhorou, como sabemos. Os ingentes recursos arrecadados ao longo de todo esse período foram desviados pelos “vampiros” de dentro, como se vê agora, mas também pelos de fora, posto que hoje está financiando até o pagamento de benefícios sociais em duplicata (o rombo de R$ 69 milhões admitido pelo governo na área do Fome Zero), além de contribuir para o pagamento salarial de quem faz greve no setor da – quanta ironia! – Saúde e Previdência.

Houvesse de fato respeito ao dinheiro público e, ao mesmo tempo, boa intenção de passar o Brasil a limpo, teria partido já do próprio Executivo a proposta de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para funcionar paralelamente às investigações em curso. O Brasil não pode conviver com essa sensação difusa e generalizada de que tudo está podre e contaminado pelos mananciais caudalosos da corrupção que banham as margens da jogatina, passam pelas escolas, chegam à merenda dos pobres e terminam encharcando o lenho seco de um caixão. Chega de pagar impostos para os ladrões.

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