Um deputado federal carregando sete malas de dinheiro em notas miúdas mas, na soma, a graúda importância de R$ 10,2 milhões, pode não estar cometendo um crime. Tanto mais se esse dinheiro foi doado por gente humilde do povo a uma igreja, que é universal e do reino de Deus, como declaram seus bispos, dos quais o bispo-chefe é o tal deputado João Batista Ramos, do PFL de São Paulo, detido em Brasília com as malas e a dinheirama toda, quando ia pegar um jatinho da igreja e voar para São Paulo.
O PFL decidiu ontem expulsar o parlamentar, considerando que seu ato de andar carregando malas de dinheiro não condiz com sua condição de representante do povo na Câmara dos Deputados. Poderia mandar depositar o dinheiro num banco ou usar uma empresa de transporte de valores.
Da expulsão cabe recurso e já há quem afirme que inexiste crime, embora alguns sustentem que se configura ilicitude fiscal. E há quem considere que não é lá das melhores práticas pegar dinheiro de gente pobre, que, embora doe ?espontaneamente?, tem advogando a causa dos recebedores do dinheiro ninguém mais, ninguém menos, que Deus.
Na Câmara, o líder do PFL, deputado Rodrigo Maia, do Rio de Janeiro, encaminhou denúncias à Corregedoria da Casa, mas não enviará o caso ao Conselho de Ética. ?A princípio não há ilegalidade no ato. Por isso, não posso prejulgar o deputado?, afirmou o parlamentar carioca.
O fato é que todo mundo sabe que diversas igrejas, quase todas, arrecadam dinheiro de seus fiéis, doações que, quando necessário, recebem a designação bíblica de dízimo. Algumas delas são ricas e até milionárias. Influem na política, elegendo seus pregadores com relativa facilidade. Isso, num país em que há, pelo menos formalmente, separação entre a igreja e o Estado. Mas ainda não se descobriu um meio de evitar essa influência de igrejas e religiosos nas eleições, convocando Deus e santos como cabos eleitorais, favorecendo candidatos ungidos. A democracia precisa ser salvaguardada a qualquer custo.
Carregar tanto dinheiro que foi do povo em malas, nesta hora em que se descobre que em malas eram transportadas as propinas do mensalão e o assessor de um deputado estadual do Ceará, irmão do recém-afastado presidente do PT, José Genoino, foi preso em São Paulo carregando uma mala cheia de reais e mais 100 mil dólares na cueca, é no mínimo comportar-se como ?um mala?. Um ?mala sem alça? que deixa a Câmara dos Deputados, o PFL e a opinião pública desagradavelmente surpreendida. No PFL, sob o comando de Jorge Bornhausen, entende-se que a atitude do deputado foi contrária aos princípios éticos que o partido defende. E, por isso, ele foi afastado, com direito a voltar via recurso.
Cabe aqui relembrarmos o que sempre temos pregado: os partidos políticos devem selecionar com rigor os seus candidatos. O povo deve ser protegido dos homens das malas.