A primeira frase que me veio à memória, após ler as primeiras notícias acerca da “quebra” de uma importante instituição de investimento estadunidense, foi justamente a de Fábio U. Coelho. Primeiramente, não se trata de falência, mas sim de reorganização judicial de um banco de investimento, cuja crise, sem dúvida alguma, espraia efeitos secundários e terciários, inclusive em relação ao Brasil, efeitos estes que aqui não serão analisadas. O Banco de investimento ingressou com o pleito no dia 15 do corrente, em Nova York [onde funciona a sede da instituição], estando “protegido” em relação aos credores, considerando o instituto denominado de automatic stay, não importado pelo legislador brasileiro para fins de elaboração da Lei 11.101/05, e que, em linhas gerais, estabelece a suspensão automática de todas as demandas envolvendo os interesses da empresa em crise.
Somente em Nova York a instituição em crise emprega aproximadamente 12 [doze] mil pessoas, que certamente enfrentarão dificuldades financeiras a curto prazo. Ora, se em março deste ano o Federal Reserve, a fim de manter ativo o sistema financeiro norte-americano, e para que não ocorresse o chamado efeito multiplicador da crise, “socorreu” uma outra instituição de investimentos,(2) a fim de esta não se valer do Bankruptcy Code, o mesmo ato agora não se repetiu. E um pequeno parêntesis desde logo cabe aqui: na década de 1970 o Governo Jimmy Carter agiu da mesma forma, socorrendo uma importante montadora norte-americana, que [ainda] sobrevive a trancos e barrancos. E aí, nesse passo, as palavras de Coelho continuam a fazer com que eu reflita ainda mais acerca do tema falência e recuperação.
De fato, nem sempre a falência é um mal negócio, especialmente quando os expedientes jurídico-econômicos previstos na Lei 11.101/05, de forma não exaustiva, deixam de produzir efeitos práticos almejados para fins de retorno ao mercado competitivo. Sempre digo em sala de aula aos alunos – que logo enfrentarão o dia-a-dia do direito, como advogados, juízes procuradores etc. que há de ser alterada a mentalidade do jurista; há de afastar a filosofia da consciência e buscar a interpretação do texto legal consoante regras e princípios constantes da Constituição Federal; há de se perceber, enfim, a hermenêutica filosófica. Há, por fim, que estudar mais…como se diz por aí. Dir-se-ia mais: é preciso estudar mais, e sempre. Bem assevera Lenio Streck que os operadores jurídicos também não conhecem as suas possibilidades hermenêuticas de produção de sentido, e não menos certo que vem ocorrendo aquilo que tal autor denomina de inefetividade da Constituição(3). hermenêutica filosófica, advinda com o pensamento de Hans-Georg Gadamer e Martin Heidegger(4).
O sempre lembrado Michel de Montaigne, tomando da pena, escreve algo deveras importante a respeito do saber, e assevera que saber de cor não é saber: é conservar o que foi entregue à guarda da memória. Do que sabemos efetivamente, dispomos sem olhar para o modelo, sem voltar os olhos para o livro. Desagradável competência, a competência puramente livresca! Espero que ela sirva de ornamento, não de fundamento, segundo o parecer de Platão, que afirma que a firmeza, a honradez, a sinceridade são a verdadeira filosofia, enquanto as outras ciências e que visam alhures são apenas ouropéis(5). E é o mesmo Montaigne que não conta, mas sim pesa seus livros, nos ensina que a humildade é a pedra de toque, especialmente nos discursos jurídicos.
E por que se escreve tudo isso, quando o título do escrito diz respeito diretamente com os Estados Unidos? Sabe-se que em tal país as pessoas físicas e jurídicas vivem a crédito. Tudo é passível de financiamento, desde a casa até o automóvel.
E, ao que tudo indica, o Brasil caminha a passos largos para o mesmo abismo, pois é possível adquirir um veículo a fim de pagá-lo no decorrer de longos e imprevisíveis anos. E já se percebe o elevado volume de veículos nas vias públicas, e a tendência é que a venda continue a todo vapor. O que guarda o futuro para os seres humanos?
Voltando aos termos da Lei 11.101/05, que seguiu os passos da lei estadunidense, percebe-se que cabe um divisor de águas bastante claro em relação à crise empresarial. Caso tenha condições mínimas de tentativa de soerguimento, que haja esforço para a volta ao mercado. Caso a empresa não reúna condições de se manter no mercado, e porque este não mais a quer, que se decrete a falência imediatamente. Ora, se este mesmo mercado não dá a solução à crise empresarial, não há outra saída; ora, se o Federal Reserve não “socorre” a instituição financeira em crise, fatalmente esta valer-se-á da arena chamada reorganização judicial. ora, nem toda a falência é um mal, e cabe estudar mais… e sempre, como se diz por aí.
Notas:
(1) COELHO, Fábio U. Curso de Direito Comercial. Vol. 3. 5.ª edição. São Paulo:Saraiva, 2005, p. 233.
(2) E o valor em jogo gira em torno de U$30 bilhões.
(3) Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 3.ª edição. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2001, pp. 228/284.
(4) Afasta-se o sujeito-objeto, para perceber-se o sujeito-sujeito. Mas enquanto o jurista estiver atrelado à filosofia da consciência e imperando o positivismo jurídico, certamente nada será alterado, permanecendo a inefetividade da Constituição Federal, referida por Lenio Streck.
(5) Os Ensaios. Livro I, cit., p. 228.
Carlos Roberto Claro é advogado; professor [adjunto I] de Direito Comercial, do Centro Universitário Curitiba [graduação]; especialista em Direito Empresarial; mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Unicuritiba, e membro do American Bankruptcy Institute [Virginia – USA]