Para além de um simples princípio, a legalidade é absolutamente essencial para a plena vigência do Estado de Direito. É, portanto, um verdadeiro alicerce de sustentação das garantias individuais e coletivas e, por conseguinte, um princípio que nutre diretamente a dignidade da pessoa humana. Referido princípio foi, sobremodo, desenvolvido por doutrinadores penalistas, eis que a necessidade mais imperiosa das garantias que a legalidade enseja estão na área criminal.

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A legalidade é uma conquista da revolução francesa, após a qual se desenvolveram os Direitos fundamentais de primeira geração (ligados à liberdade, e influenciados pela obra de Beccaria de 1764(1)). No entanto, há quem reconheça este princípio já na Magna Carta inglesa de João sem terra, em 1215. Em verdade, segundo notas de Regis Prado(2), quem primeiro estruturou este princípio sobre sua conhecida fórmula latina ?nul-lum crimen, nulla poena sine lege? foi o jus-filósofo Feuerbach, em 1810, no seu ?Tratado de Direito Penal?.

Entretanto, foi em 1960 que este primado essencial dos direitos experimentou sua maior expansão. Outro jus-filósofo de origem germânica, Reinhart Maurach, cuidou de desmembrar o brocardo latino em quatro diferentes arestas, cada uma comportando diferentes garantias.(3)

A primeira frente de expansão da legalidade foi traduzida pela fórmula latina ?nullum crimen, nulla poena sine lege previa.? Entende-se por esta versão que não há crime, tampouco pena, sem que antes exista uma lei incriminando determinada conduta. Deste modo, a lei que tipifica e seleciona uma conduta a ser incriminada deve preceder à incriminação, sob pena de não haver crime.

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A segunda expansão da legalidade foi referendada sob o aforismo ?nullum crimen, nulla poene sine lege certa?. Esta abertura da Legalidade foi voltada para o legislador. Por conseguinte, não pode haver leis imprecisas, com dubiedades semânticas, com vagueza de conteúdo. Noutro dizer, o princípio da legalidade exige que a lei seja clara, precisa e certa.

Uma terceira frente de garantia decorrente da Legalidade veio, na elaboração de Maurach, com o ?nullum crimen, nulla poene sine lege stricta?. Por esta vertente, entende-se que não pode haver crime, nem pena, a não ser nos estritos termos estabelecidos pela lei. Conseqüentemente, a analogia, que é um recurso integrativo da lei, pois visa preencher as lacunas legislativas, não pode ser utilizada em desfavor do réu (a legalidade estrita veda a analogia in malam partem).

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Na quarta e derradeira frente de desdobramento da legalidade, Maurach projetou o ?nullum crimen, nulla poene sine lege escripta?. Nesta quadra, a legalidade veda que os costumes possam revogar a lei penal incriminadora. Outrossim, somente uma Lei pode revogar a lei penal. Entenda-se o termo lei no sentido formal, ou seja, elaborada segundo os dispositivos constitucionais que estabelecem ?uma seqüência de atos a serem realizados pelos órgãos legislativos.?(4)

Em nosso sistema jurídico, a Legalidade foi alçada à categoria de norma constitucional (art. 5.º, XXXIX) e, por fundamentar inúmeras garantias individuais, pertence ao núcleo imodificável de nosso Encarte Constitucional. Portanto, como nos dizeres de Luís Roberto Barroso, ?o ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais?(5) não poderá haver qualquer atividade interpretativa, nem qualquer atuação do direito no mundo dos fatos que se furte à observância de todas as vertentes da legalidade, sob pena de inconstitucionalidade.

Notas:

(1) BECARIA, Cesare Bonesana, Marques de. Dos delitos e das penas. Trad. de Paulo M. Oliveira. 6 ed. São Paulo: Atena Editora, 1959.

(2) PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal. vol. I. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 112.

(3) MAURACH, Reihart. Derecho penal. Trad. de Jorge Bofill Genzsch. vol. II. 7. ed. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1995.

(4) MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 544.

(5) BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 151.

Dante Bruno D?Aquino é assessor jurídico do ministério Público do Estado do Paraná e pós-graduando em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional.