O governo já foi qualificado pelo procurador-geral da República como uma quadrilha. Mas não há no povo a consciência de que governo é a soma de autoridades federais, estaduais e/ou municipais. Há o conceito generalizado de que governo é só o Executivo. Governo é um nome que começa a se transformar em marca de ?pinta na testa?. Para que não aumentemos a confusão, embora de fato ela exista, convenhamos que desta vez devemos falar não exclusivamente, mas prioritariamente, do Poder Legislativo federal, uma importante fatia do governo federal. Esse Legislativo, composto de Câmara dos Deputados e Senado, é uma tropa numerosa, geralmente desorganizada, mas com generosos bocados organizados, preparados, habilitados e dedicados ao crime. O crime organizado. É o que se vê agora, quando caminha para o fim, o que poderá ser a feitura de uma imensa pizza, a CPMI dos Sanguessugas.
Essa CPMI, uma das muitas que se formam no Congresso como palanque de campanha, desta vez pegou nada menos de 72 deputados e senadores com a boca na botija.
Embora o tema investigado por essa comissão parlamentar mista de inquérito esteja sendo divulgado exaustivamente, nunca é demais repetir do que se trata. Isso porque a nossa memória é curta. E a da máfia investigada sempre finge amnésia, esquece de sua culpa, mas lembra que sempre dá para tapear o eleitorado mais uma vez e conseguir novo mandato. E mais alguns anos para roubar, via crime organizado, que é mais eficiente.
De sanguessugas estão sendo chamados os parlamentares (e há particulares e gente do Executivo também envolvida, mas ainda não formalmente denunciada) que sonegaram assistência à saúde do povo e ainda tiraram o dinheiro público para montar um negócio de compra e venda de ambulâncias fajutas, superfaturadas. Os ingredientes para a maracutaia não dispensavam os representantes do povo no Congresso. Estes é que tornavam viável a negociata, mas ainda ficavam nas pontas ou no meio do caminho gente do Ministério da Saúde, empresas privadas de fachada ou de fato e, na receptação, ONGs, outras organizações públicas ou privadas existentes ou fantasmas e prefeituras municipais.
A farsa se consubstanciava na hora em que um parlamentar dos 72 já apontados (e têm muitos mais sobre os quais pesam fundadas suspeitas) concordava em fazer uma emenda ao Orçamento da União, cortando uma fatia do dinheiro do povo para a realização da negociata. E reservando, é óbvio, um pedaço para si, para funcionários corruptos, para prefeitos e muita gente mais, sempre esfomeada e desejosa de pôr a boca na botija sem ser flagrada.
Estão sendo citados 72 parlamentares, por enquanto. Sessenta e três são da base de apoio do presidente Lula e oito da oposição. Nove partidos têm integrantes envolvidos no esquema. O maior número de sanguessugas está no PL, PTB e PP. O PL lidera, com 18 sanguessugas. Vêm, numa seqüência decrescente e deprimente, PTB (16), PP (13), PMDB (8), PFL (7) ?et caterva?. Há até sanguessugas do PSDB e do PT. Poucos, mas significativos. Será que estão faltando alguns? Certamente, sim.
Há um, entretanto, que está dentro, como vítima, mas que nas próximas eleições tem de decidir se vai ou não se transformar em co-autor, financiador ou conivente: o eleitorado. Será a primeira chance de pôr essa corja no olho da rua. A segunda, se é que um dia acontecerá, será de mandá-la para a cadeia.
