Organizações Internacionais: perigo e oportunidade

A palavra crise, na língua chinesa, compõe-se de dois vocábulos: perigo e oportunidade.

Os acontecimentos recentes no cenário internacional demonstram que a principal organização intergovernamental, de caráter universal, enfrenta sua pior crise. A ONU posicionou-se contra a invasão do Iraque pelas tropas anglo-americanas mas nem por isso foi respeitada e capaz de evitar o conflito. Do mesmo modo, um grande desrespeito à instituição aconteceu com o ataque a sua sede, em Bagdá, no dia 19 de agosto de 2003, quando mais de cem de pessoas ficaram feridas e vinte morreram – dentre as quais estava o chefe da missão, o brasileiro Sergio Vieira de Mello.

A ONU surgiu em 1945, através da Carta de São Francisco, e rapidamente se tornou um paradigma em termos de concepção, estrutura e aspectos jurídicos de uma Organização Internacional (OI). Ela consolidou um modelo iniciado pela Liga das Nações, através do qual uma OI resulta da associação de vários Estados, através da celebração de um tratado internacional (tratado-fundação) que estabelece os objetivos e finalidades para os quais ela foi constituída. R regida pelo direito internacional, organizada a partir de uma estrutura institucional dotada de órgãos e poderes próprios, a OI é capaz de produzir normas destinadas a seus membros ou a sua própria organização interna.

A estrutura da ONU serviu de base para uma série de outras OI que surgiram, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, (FAO), para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e Organização Mundial da Saúde (OMS), dentre outras. Assim, a ONU é composta basicamente pela Assembléia Geral – enquanto órgão colegiado de que todos os estados-membros fazem parte, com direito a um voto cada; pelo Conselho de Segurança – responsável pela paz e segurança internacionais e formado por 15 estados, dentre os quais 10 são transitórios e 5 são permanentes; e o Secretário Geral – pessoa emblemática nomeada pela Assembléia Geral por sugestão do Conselho de Segurança, com a missão de tratar das questões administrativas, mediar conflitos e transitar entre todos os setores da vida internacional.

Num momento anterior de crise, a ONU passou por situação de muito perigo mas também foi ocasião para uma grande transformação na atuação de todas as OI. Em 1948, a ONU enviou o sueco Conde Folke Bernadotte para o Oriente Médio, a fim de mediar o conflito israelo-palestino. Em Jerusalém, naquele mesmo ano, ele sofreu um atentado e foi assassinado. A ONU iniciou um processo de reparação contra o responsável e, a partir de um parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, de 1949, consolidou a personalidade jurídica das OI que, a partir de então, foram consideradas sujeitos de direito e deveres na sociedade internacional, ainda que tal subjetividade se limite aos motivos pelos quais elas foram criadas. Aquela tragédia acabou ocasionando um grande avanço.

A crise atual da ONU, que tem sua legitimidade e credibilidade colocadas à prova a todo instante, representa uma situação de perigo, sobretudo em virtude dos riscos que seus funcionários estão vivendo. Mas todos esses acontecimentos lamentáveis que vêm ocorrendo precisam gerar conseqüências práticas. É a oportunidade para se fazer uma grande revisão de seu papel, estrutura e função, democratizando seu processo de tomada de decisões, estabelecendo com antecedência as condutas internacionais e suas conseqüências e, por fim, institucionalizando, de modo claro e único para todos os membros da comunidade internacional, o controle do cumprimento das obrigações internacionais. A tragédia em Bagdá não pode gerar um retrocesso.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR e professora de Direito Internacional Privado da UFPR.

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