“Ao definir os fundos públicos, mediante a fixação de impostos ou outros meios, o orçamento transforma-se no mecanismo central de controle público sobre o Estado. As decisões orçamentárias, são, pois, decisões políticas fundamentais. Contudo, em uma sociedade comandada por uma forte tradição autoritária e patrimonialista, como é o caso do Brasil, o orçamento público tem sido menos a expressão do contrato político do que a expressão de sua ausência. Critérios tecno-burocrático prevalecem na definição do orçamento, critérios suficientemente vagos para permitir a privatização clientelista das decisões públicas que dizem respeito à distribuição dos recursos.(…)[O orçamento]revela-se uma ficção, uma prova chocante da discrepância entre o enquadramento institucional formal e as práticas reais do Estado.(…)
(…)O orçamento participativo promovido pela prefeitura de Porto Alegre é uma forma de administração pública que procura romper com a tradição autoritária e patrimonialista das políticas públicas, recorrendo à participação direta da população em diferentes fases da preparação e da implementação orçamentária, com uma preocupação especial pela definição de prioridades para a distribuição dos recursos de investimento.”
(Boaventura de Sousa Santos)
O Prof. Boaventura de Sousa Santos é um dos maiores pensadores do Direito contemporâneo. As suas reflexões sobre o tema do orçamento, que constam do livro `Democratizar a democracia’ (pág. 465 – editora civilização brasileira), demonstram claramente o momento rico dessa discussão no Brasil. Estamos vivendo os dois mundos por ele retratados, o orçamento enquanto apropriação do dinheiro público para interesses privados e a tentativa de tornar o orçamento um real mecanismo de redistribuição de renda através políticas públicas adequadas.
Este processo de rediscussão do orçamento no Brasil aconteceu com a experiência empírica do orçamento participativo de Porto Alegre, atualmente utilizada em muitas cidades brasileiras, latino-americanas e européias. A força deste movimento fez com que a ONU, em seu congresso HABIT II, reconhecesse este mecanismo como uma das contribuições mais relevantes à nova visão de administração pública.
Derivado desse reconhecimento, um conjunto de países passou a colocar em suas legislações mecanismo de gestão orçamentária participativa A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e o Estatuto da Cidade trouxeram os princípios inicias do orçamento participativo para o ordenamento jurídico nacional. Dispositivos como audiências públicas, consultas e debates hoje são condições obrigatórias para a aprovação do orçamento. O controle popular ganhou mais mecanismos e instrumentos com estas novas leis (o artigo publicado neste caderno no domingo passado pelo advogado Ludimar Rafaim aponta os preceitos legais).
O Orçamento Participativo nunca precisou de lei própria para existir em Porto alegre ou em qualquer outra cidade, bastou vontade política e interesse em incluir cada vez mais a população nesta discussão. Os mecanismos da gestão orçamentária participativa estabelecidos na LRF e no Estatuto da Cidade ainda são tímidos, as audiências são apenas informativas e consultivas e não deliberativas. Contudo, elas são necessárias para o nosso aprendizado de participação, responsabilidade, tolerância com o diferente e respeito com a coisa pública.
Concordo com o prof. Fabio Artigas Grillo, para quem o orçamento público deveria ser uma das “garantias ofertadas aos administrados”. Para tanto e a fim de acabar com o dualismo apresentado pelo prof Boaventura, a gestão orçamentária participativa deve ser, além de uma exigência legal, também um dever moral dos administradores públicos. Somente com este compromisso o orçamento participativo será uma realidade em todo o País.
André Passos é advogado e vereador do PT em Curitiba andrepassos@andrepassos.com.br –
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