As previsões estavam certas e o candidato tucano José Serra não conseguiu a grande virada com a qual tanto sonhou nos últimos dias: Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-metalúrgico que entrou na política partidária pela porta da política sindical, tornou-se o 31.º presidente (considerados apenas os eleitos para o cargo ou os vices que efetivamente assumiram) da República Federativa do Brasil, ungido por um oceano de votos que lhe chegaram por caminhos diversos – à direita, centro e à esquerda. A maior votação livre já alcançada por alguém no universo em todos os tempos. A partir de agora, seu partido, acostumado ao jogo da oposição, vira governo. E, na condição de vidraça, terá que administrar a esperança recheada de mil promessas despertadas nas massas ávidas de mudança.
O jogo, decidido também nos Estados onde a disputa ficou para o segundo turno, agora assume configuração que já não conta com a boa-vontade incondicional do cidadão e do contribuinte. No governo de transição, a partir desta terça-feira, o vencedor e sua equipe terão que falar nos números que, na reta final de campanha, foram matreiramente silenciados. Do futuro novo salário mínimo ao orçamento geral da União para o ano que vem, passando também pela confirmação do acordo com o Fundo Monetário Internacional ? as decisões deixam o ambiente do marketing minuciosamente estudado de campanha para a verdade da realização urgente e necessária.
A maior eleição que o País já teve foi também a que bateu o recorde no tempo de apuração. De Norte a Sul, pouco depois de encerrado o processo de votação, no mesmo dia já se conheciam os resultados. O fato não pode passar despercebido num país continental como o nosso, cheio de violentos contrastes sociais. Desafia o mundo dos mercados que insistiu no desarranjo financeiro como elemento de sinalização de cataclismos, que, pelo menos até aqui, não se confirmaram. Declara, juntamente com a transição pacífica e coordenada, e com uma campanha (pelo menos no âmbito nacional) civilizada e positiva, a nossa maioridade democrática.
O presidente eleito disse, sexta-feira, no último debate, ser ele o único homem capaz de realizar o grande pacto social, na pavimentação da estrada por onde passarão as reformas prometidas. Fica o registro da frase, que haverá de pesar na inevitável cobrança. A mão estendida na direção do diálogo, entretanto, deve ser aceita pelos que sucumbiram nas urnas, pelo menos num primeiro tempo. Disse-o bem já no domingo à noite o presidente do Congresso, Aécio Neves. A oposição não pode ser danosa aos interesses da gente brasileira. O País precisa de uma chance e merece a oportunidade oferecida. Nesse aspecto, mais que comemorar a vitória já antes percebida, deve-se louvar a tranqüilidade com que o governo que finda está a encarar os resultados: foi a vontade soberana dos brasileiros ? disse o presidente Fernando Henrique Cardoso ? que assim quis, e essa vontade há que ser respeitada sem tergiversações. Aliás, mais ou menos isso disse também o candidato derrotado José Serra, momentos antes de Lula responder a uma observação (os eleitores votam a cada quatro anos, enquanto o mercado financeiro faz isso todo dia) que este mercado precisa saber também que os brasileiros precisam do que comer nos 365 dias do ano.