Onde mais dói

Os jornais da semana passada trouxeram duas notícias interessantes. Uma delas refere-se a uma jornalista funcionária de uma grande confederação empresarial, senhora de 52 anos de idade, que foi compelida a pedir demissão depois de passar dois anos sob a chefia de uma alta funcionária que a tratava, bem como a outros subordinados, aos gritos e insultos. As agressões levaram a jornalista a uma situação insuportável, pois mesmo tendo levado o assunto aos escalões superiores, nada viu mudar. Continuava tendo a megera em seus calcanhares aos berros e agressões verbais, num evidente abuso de autoridade e exercício de coação moral. Já fora do emprego, que deixou por não mais agüentar a situação, a funcionária entrou na Justiça com um pedido de indenização por danos morais resultantes da forma inumana com que era tratada. E a Justiça, em decisão que não mais permite apelação, condenou a empregadora a indenizar a ex-funcionária. A empregadora, e não a chefe grosseira, pois aquela responde por ?culpa in eligendo?. Afinal de contas, foi ela quem contratou a truculenta.

Outra notícia relata o caso de uma trabalhadora negra que, em razão de sua cor e raça, era insultada por sua chefia em frente a outros funcionários. E mesmo que não fosse na presença de colegas, as agressões racistas doíam, contrariavam a nossa legislação e, sem dúvida, aos mais comezinhos princípios de respeito aos nossos semelhantes.

Embora exista em nossa legislação punição severa contra a prática do racismo, inclusive com prisão, o que nos parece justo, se bem que insuficiente devido às dificuldades de montar e levar adiante um processo dessa natureza, a funcionária, ou melhor, ex-funcionária, pois foi levada a pedir exoneração, entrou na Justiça pedindo uma indenização por danos morais. E logrou sentença em seu favor na semana passada. A importância não é relevante, como no caso da jornalista. Registre-se, entretanto, que no primeiro caso o valor da indenização em primeira instância foi muito mais baixo, porém foi elevado pelo Tribunal Regional do Trabalho, que considerou nada apropriada a importância decidida na instância inferior. Como no caso da funcionária negra a decisão é de primeira instância, cabe recurso e oxalá a instância superior corrija a pena, elevando-a.

A realidade é que a ofensa de ordem moral e a que revela preconceito e discriminação racial atingem dolorosamente as vítimas. Não obstante seja apropriado, embora pouco efetivo, que se punam tais práticas com penas prisionais, deve-se levar em conta que o órgão humano que mais dói, neste mundo capitalista com traços de selvageria, é o bolso. Dizer que o órgão que mais dói é o bolso é uma figura de parábola, mas reflete um pensamento verdadeiro. No mundo hodierno o dinheiro fala mais alto. E a subtração dele como uma penalidade tem o condão de fazer com que os apenados não se esqueçam de seus crimes, mesmo que sejam a prática de antigos e consagrados preconceitos, como o de acreditar que ao chefe tudo é permitido e ao subordinado, num mundo em que há carência de empregos, só resta baixar a cabeça, engolir os desaforos e esperar o fim do mês para receber o salário. Ele justificaria todas as ignomínias suportadas. Ou o preconceito de que quem é de raça branca, ou qualquer outra que seja ou se presuma majoritária, tem o direito de insultar, menosprezar e agredir moralmente pessoas de raças minoritárias. No nosso País, a raça branca não é majoritária, pois a cada dia mais se prova que somos um povo mestiço com forte presença da população negra.

Os dois casos noticiados e as duas sentenças pronunciadas são marcos na nossa evolução como povo dito civilizado. Com certeza, cortamos caminho para um estágio de verdadeira civilização com civilidade.

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