Desde 1.º de janeiro de 1995, quando do início das atividades da OMC, o seu Sistema de Solução de Controvérsias tem funcionado com brilhantismo, sendo que dos cerca de 270 casos levados à sua análise, em um quinto as partes chegaram a um acordo mútuo. Faz-se este destaque quanto aos acordos porque este é o objetivo maior do Sistema. Todas as disposições do Sistema constam do DSU – Entendimento sobre Solução de Controvérsias, o qual é o Anexo 2 do Acordo Constitutivo da OMC.

O âmbito de jurisdição do Sistema corresponde à busca de solução de controvérsias que envolvam o Acordo Constitutivo da OMC, o GATT 1994, Acordos Multilaterais sobre Comércio de Bens, Acordos Plurilaterais (quando estabeleçam a aplicação do Sistema), o GATS, o Acordo TRIPS e o próprio DSU – Entendimento sobre Solução de Controvérsias. Sua jurisdição é compulsória, ou seja, o demandante, ao tratar de um dos acordos citados acima, deve levar o tema ao DSU, enquanto o demandado deve aceitar a jurisdição, mesmo porque como membro da OMC aceitou este procedimento.

Como causas de ação pode-se citar a falha de um outro membro em realizar suas obrigações sob um dos acordos, ou a aplicação por um outro membro de qualquer medida conflitante ou não com os dispositivos de um dos acordos, ou, ainda, a existência de qualquer outra situação, com vistas a solucionar de forma satisfatória a matéria, fazer representações escritas ou propostas ao outro membro que considera estar interessado.

Em que pese apenas os membros da OMC poderem participar do Sistema de Solução de Controvérsias (intergovernamental), o Órgão Permanente de Apelação deste Sistema tem admitido a participação e/ou consideração de indivíduos, companhias ou organizações, que interfiram mediante sumários escritos (amicus curiae). Esta possibilidade é admitida apenas pelo Órgão Permanente de Apelação, já que a maioria dos membros é contrária a este tipo de intervenção.

O Sistema envolve uma primeira fase obrigatória de consultas, a qual é um método pré-judicial e diplomático (profissionais lotados em Genebra) de solução de controvérsias. Se as consultas não conseguirem resolver a controvérsia, o demandante pode recorrer ao julgamento por um painel e, posteriormente, ao Órgão Permanente de Apelação. Quando da solicitação do painel deve ser feita prova de que as consultas foram realizadas.

É permitida também a opção pela arbitragem, ao invés de seguir o procedimento estabelecido no DSU, e neste caso as partes devem definir as questões que serão submetidas à arbitragem, chegar a um acordo com relação ao procedimento a ser adotado para o estabelecimento da arbitragem e aceitarem que a decisão emanada será vinculante. Apenas em 2001 o procedimento do DSU foi preterido ao da arbitragem.

Outros meios, também permitidos, mas que nunca foram utilizados, são os bons-ofícios, a conciliação e a mediação, desde que as partes concordem, assim como o é com a arbitragem, pois apenas o procedimento próprio do DSU (consultas, painel e Órgão Permanente de Apelação) é compulsório.

Todo o mecanismo do Sistema de Solução de Controvérsias é administrado pelo DSB – Órgão de Solução de Controvérsias, o qual está vinculado ao Conselho Geral da OMC e é com este que ele se reúne para administrar as regras e procedimentos do DSU. As decisões do DSB devem ser tomadas por consenso, com exceção das decisões voltadas para o estabelecimento de um painel, para a adoção do relatório do painel e do Órgão Permanente de Apelação, que são do tipo “consenso negativo”, ou seja, entende-se que o DSB tomou uma decisão a menos que exista consenso dos membros da OMC para não tomarem referida decisão.

Por sua vez, os painéis são ad hoc e serão estabelecidos pelo DSB à pedido da parte interessada. A decisão acerca do estabelecimento será feita na próxima reunião do DSB, que normalmente reúne-se mensalmente, mas se necessário marca-se uma reunião para deliberar sobre o pedido. Os painéis compõem-se de três pessoas, vinculadas ao governo ou não, (diplomatas, oficiais de governo, advogados ou acadêmicos com vasta experiência e alto conhecimento) não nacionais dos envolvidos. Quando a controvérsia envolva um membro desenvolvido e um em desenvolvimento, necessário que um dos painelistas seja de um país em desenvolvimento. Caso existam outros membros com causa de pedir idêntica contra o mesmo país, busca-se fazer um painel único.

É tarefa do painel verificar se as consultas foram feitas, avaliar objetivamente a matéria e os fatos, analisar o acordo que ensejou o pedido de painel, administrar a composição do painel, os seus termos de referência, o padrão aplicável de revisão, regras de conduta dos painelistas e o exercício de ativismo judicial (proibição de aumentar ou diminuir os direitos e as obrigações previstas nos acordos da OMC) e economia processual (os painéis podem apreciar apenas as questões necessárias para solucionar o assunto em questão) pelos painéis. O resultado final do painel é a emissão de um relatório.

O Órgão Permanente de Apelação examina apelações dos relatórios dos painéis que analisaram a disputa anteriormente. É composto por sete pessoas nomeadas pelo DSB para um mandato de quatro anos, o qual pode ser renovado por uma vez. Somente a parte demandante pode iniciar os procedimentos de apelação, as quais são limitadas às questões de direito ou interpretações legais existentes no relatório. O Órgão tem poderes para manter, modificar ou reverter as conclusões do relatório.

Assim como na justiça nacional, o Sistema possui prazos, os quais dificilmente são desrespeitados: a)para a finalização das consultas – sessenta dias; b)para o painel emitir o relatório – seis meses, em se justificando pode ser prorrogado, não podendo ultrapassar de nove meses; c)para o painel decidir sobre medidas tomadas para cumprir com as recomendações ou decisões frente às regras da OMC – noventa dias; e, d)para o Órgão Permanente de Apelação decidir – sessenta dias, em se justificando pode ser prorrogado, não podendo ultrapassar de noventa dias.

As petições, reuniões e audiências são às portas fechadas, ou seja, confidenciais. As partes podem tornar os seus documentos públicos e não o da outra parte. O relatório final do painel somente se torna público quando é circulado a todos os membros da OMC.

Na ausência de uma solução mutuamente acordada, o primeiro objetivo do mecanismo de solução de controvérsias é assegurar a retirada das medidas em questão se elas forem consideradas incompatíveis com os dispositivos de qualquer um dos acordos abrangidos pela OMC. Deve-se recorrer à compensação somente se a retirada imediata da medida é impraticável e como forma provisória durante a retirada da medida, que é incompatível com um acordo abrangido. O último recurso que o DSU estabelece ao membro que invoca os procedimentos de solução de controvérsia é a possibilidade de suspender a aplicação das concessões ou outras obrigações sob os acordos questionáveis em base discriminatória em relação a outro membro, sujeito à autorização pelo DSB de tais medidas.

Em sendo impraticável cumprir imediatamente com as recomendações ou com a decisão do painel, ao membro demandado poderá ser autorizado um tempo razoável para o seu cumprimento, prazo este que poderá ser acordado entre as partes ou decidido por arbitragem.

Como pode ser observado os outros métodos de solução de controvérsias, diversos dos procedimentos de consulta, painel e Órgão Permanente de Apelação, não são ou muito pouco usados foram, constatação que demonstra o excelente funcionamento e o enorme respeito que as partes possuem para com o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC. Um trecho de decisão do Órgão Permanente de Apelação (Índia – Patents, Parágrafo 92) deixa bem clara a seriedade deste Sistema: “As regras procedimentais de solução de controvérsias da OMC são feitas para promover não o desenvolvimento de técnicas de litígio, mas simplesmente a justa, pronta e efetiva solução de controvérsias comerciais”.

Patrícia Luciane de Carvalho é advogada e autora do livro Joint Venture – Uma Visão Econômica-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial

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