Mal concluída a contabilidade das urnas, nas cidades onde haverá segundo turno – Curitiba, Londrina, Maringá e Ponta Grossa, para ficar só no Paraná – a campanha recomeçou. Nas esquinas, bandeiras ao vento, à chuva e ao sol. Na caixa do correio tradicional ou eletrônico, correspondências. Por todos os lugares, um corpo a corpo sem trégua. Logo retorna o horário eleitoral gratuito, que de gratuito tem só o nome. E entre juras e lamentos, realinham-se as forças políticas em torno de compromissos nem sempre divulgados.

As coligações negociadas para o primeiro turno passam por um novo funil. Embora a maior parte dos figurantes faça pose de bom moço, são os interesses pessoais que, sempre, acabam falando mais alto. Nesse negócio, em vez de programas, propostas e promessas, entram cargos e oportunidades. Claro, um mercado cuja fachada ostenta o mérito de tudo ser feito em nome do eleitor que, de sua vez, também vive um novo momento. Quem perdeu (o termo é, geralmente, usado impropriamente) o voto no primeiro tempo, trata agora de repensar.

Mas quem disse que o apoio de um candidato derrotado no primeiro turno transfere automaticamente para um terceiro o voto do eleitor? Candidatos que negociam essa possibilidade deveriam ficar envergonhados. Praticam ofensa grave ao eleitor, senhor e juiz único de seus atos e decisões. Ofendem mais se pretendem usar “políticos menores” para o jogo sujo – a compra de votos e de consciências – que não ousam realizar diretamente.

Na véspera da eleição de domingo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Sepúlveda Pertence, veio à televisão (e pena que veio tarde) para realizar um discurso que pouca gente ouviu. Foi primoroso, sereno e grave nos argumentos que usou. Um deles verberou a compra e a venda de votos. Coisa antiga. Mas provavelmente enquanto ele falava assim, pelas esquinas da República alguém comprava e alguém vendia. Alguém aos milhares. Quem conhece como acontece uma eleição entre nós, não duvida.

O discurso de Pertence deveria agora ser repetido durante o segundo turno. Não apenas uma vez. Para que todos refletissem sobre a liberdade, o valor e a seriedade do momento. E para envergonhar aqueles que, mesmo sabendo cometer crime, comprando ou vendendo votos, tornaram-se criminosos. O Brasil pode estar dando exemplo para o mundo no que concerne ao avançado e ao mesmo tempo simples processo eletrônico utilizado em lugar das velhas cédulas de papel. Mas com certeza tem muito caminho a andar para que cheguemos num estádio em que o comércio (aqui o termo deve ser entendido no sentido amplo) de votos seja insignificante.

O presidente do TSE enfatizou que, numa eleição, pobres, ricos e remediados se igualam. De fato, se o sistema é à prova de fraude, o voto de qualquer um deles vale apenas um. Mas sem a conscientização necessária, os ricos seguem dominando os pobres. Começa pelos custos astronômicos da arte de pedir votos. Uma campanha vitoriosa custa milhões, esta é a lógica com ou sem financiamento público.

É quase ingenuidade propor o que se segue. Mas seria muito importante que todas as negociações de apoio e desapreço neste segundo turno entre vitoriosos e derrotados fossem travadas às claras, para a avaliação completa dos eleitores. Eles não deveriam ser enganados. Se sicrano criticava beltrano no primeiro tempo, por qual razão agora beltrano merece sua confiança a ponto de ser recomendado? Não é a ética do discurso, mas a dos fatos que deve interessar a todos. O segundo turno não existe para ofender impunemente o eleitorado.

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