Médico não é escultor. Nem o bisturi, cinzel. Não se vai ao médico porque se é feio, mas, sim, em busca da saúde. Conseqüentemente, hospital não é salão de beleza. É mais ou menos isso que o Conselho Federal de Medicina acaba de dizer ao País e recomendar aos cerca de 280 mil médicos que aqui trabalham com a edição de uma resolução datada de dezembro, mas só agora amplamente difundida. Nela, o órgão que controla o exercício da medicina em todo o Brasil estabelece parâmetros de segurança que devem ser observados nas cirurgias de lipoaspiração – a aspiração da gordura em excesso em determinadas partes do corpo.

O pronunciamento do CFM dá seqüência ao debate que há tempos envolve o recurso das cirurgias meramente estéticas e também este que é considerado o recurso extremo para o emagrecimento forçado, aquelas cirurgias redutoras do saco estomacal – uma forma que está na moda para frear na marra o apetite não controlado pela vontade do comensal glutão.

É pacífico que estava e está havendo abuso. Aleijamentos irrecuperáveis e mortes. O número de denúncias de casos mal sucedidos aumentou assustadoramente do ano 2000 para cá. Coisa de cinco para quarenta. Isso também porque cada vez mais, num ritmo alucinante, gordinhos e gordinhas – outros nem tanto – passaram a buscar nas clínicas médicas (algumas improvisadas) e centros cirúrgicos recursos substitutivos à falta de exercícios físicos ou ao descontrole alimentar. Culotes, seios, barriga, estômago… tudo lapidado em sala de cirurgia, e não só para extrair gorduras incômodas, mas também para mudanças estéticas, recheios de silicone, correção de lábios, nariz, boca, barriga, pescoço, olhos… o que se imaginar.

De repente, num País onde se morre de dengue e desnutrição, ou simplesmente na fila dos hospitais, os médicos foram transformados nos senhores do peso e do volume. Produtos e técnicas, geralmente apresentados como milagrosos, aparecem e desaparecem do mercado do dia para a noite. E nem sempre os que se deixam usar para experimentos têm consciência da experimentação improvisada, assim como os médicos também entravam em terreno sem regulamentação. E sem limites, tanto da parte deles, quando da parte dos clientes.

“É importante – afirma o conselheiro Ricardo Baptista, da Câmara Técnica sobre Produtos e Técnicas em Procedimentos Estéticos do CFM – que os médicos e os pacientes tenham os esclarecimentos necessários sobre os procedimentos que unem a medicina e a estética, para evitarmos problemas para ambas as partes.”

Bem ou mal, agora foram estabelecidos alguns parâmetros importantes a serem seguidos. O principal de todos é esse que diz que a cirurgia de lipoaspiração deve ser entendida como um meio para corrigir o contorno corporal e não como uma forma para emagrecer. Isto é, quem quiser emagrecer, que procure outros recursos. Deixe a preguiça de lado e se dedique à velha e saudável malhação.

Os profissionais devem, obrigatoriamente, ser especialistas em cirurgia plástica – uma modalidade que requer treinamento e residência específica. Todo paciente precisa passar por avaliação médica (incluindo exames laboratoriais) antes da cirurgia, que só pode ser realizada em salas equipadas para atender inclusive emergências e com o acompanhamento de médico anestesista. E, ainda no campo dos limites, está a disposição fixando que os volumes aspirados não devem ultrapassar 7% do peso corporal (ou 5%, dependendo da técnica usada), enquanto a área do corpo abrangida pela intervenção não pode ultrapassar, por vez, o limite de 40%…

Tudo ótimo. Essa medicina adjetiva também pode ser entendida como importante à saúde do ser humano. Mas seria de bom alvitre que o Conselho Federal de Medicina se ocupasse com o mesmo apetite de outros casos que envolvem a aplicação da medicina de forma substantiva. Como aquela requerida nas enormes filas do SUS, “financiada” com a nossa CPMF!

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